terça-feira, 28 de maio de 2013

Nem sempre se pode escolher

O dia seguinte foi longo e penoso e extramente desgastante no emprego e ele mal pensou na halucinante noite anterior.
Tinha a porta trancada e foi assim que voltou a deixá-la assim que entrou.
Um leve jantar e depois entregou-se à leitura até adormecer.
E no entanto, ao acordar e sair, tranca novamente a porta contráriamente ao seu hábito. Desce as escadas a correr, corre até ao comboio e só ao entrar na estação abranda o passo ao ver-se forçado a quase derrubar uma rapariga.
Segura-a, impedindo a sua queda, murmura um pedido de desculpas e segue para a plataforma para mais algumas horas de alivio e segurança.
E ao sair do comboio o seu corpo dispara num andar acelerado e numa postura que convida a sair do seu caminho, no fundo da sua mente a paranoia ainda arde, aquela sensação de perigo, leve e quase imperceptivel mas sempre presente.
E só ao cruzar as portas do edificio onde trabalha se permite relaxar.
Entrega-se ao trabalho e esquece tempo e solidão e vazio e trabalha tarde fora com afinco e celeridade, até que o seu chefe vem ter com ele poucos minutos antes das 19.
"Quando planeias ir jantar? Não tens a hora marcada para as 17?"
"Não tenho fome."
"Mas tens uma pausa de uma hora a tirar, obrigatoriamente. Faz log out às 19 no maximo, senão faço-to eu. Não estou para que questionem os  teus horarios outra vez."
"Tenho coisas a fazer e os meus telefones funcionam comigo deslogado na mesma..."
"A sério, faz uma pausa. Vai apanhar ar, fumar um cigarro, tomar café ao menos. O dia está controlado."
"Não tenho tabaco."
"Toma a minha onça, vai enrolar um."
"Não tenho vontade de sair daqui."
"Sai-me desta sala por um bocado se faz favor. Nem pausa fizeste."
"Fica pelos dias em que faço a mais."
"Pira-te."
Desististindo de discutir, pega na onça e sai.
Uma hora para queimar sem nada para o distrair.
Acaba por se sentar no jardim proximo e abrir a onça que "pedira" emprestada.
Abre-a para descobrir um bom pedaço de polén, bem mais que o suficiente para fazer uma e ele não se dar ao trabalho de reparar. "E se for um teste?"
Resolve não testar a sua sorte.
Enrola um cigarro e acende-o, sentado, braços estendidos no apoio para as costas do banco de jardim.
Minutos depois junta-se a ele um colega. Fazem conversa de circunstancia durante alguns segundos e ele fingue que tem que ir fazer qualquer coisa para se esquivar.
19:25.
Volta para dentro, senta-se no seu lugar ao canto da sala e volta a trabalhar.
Não tem realmente qualquer vontade de estar lá fora.
Acaba tudo por volta das 21:45, levanta-se e vai à sala de fumo, fuma dois cigarros e volta.
Próximo das 22. Pouco mais de uma hora para sair.
...
23:00.
Hora de sair. Não está cansado, como ontem. Olha em volta, a rua deserta à excepção do policia habitual, junto daquela suposta igreja.
Pondera que caminho seguir.
Acaba por percorrer o mesmo caminho de domingo, em direcção à baixa da cidade.
Sente um misto de receio, antecipação e ansiedade. Mais uma vez acelera o seu passo, mantendo-se atento aos movimentos e sons em seu redor.
Sabe que ruas passou no outro dia. Repete o caminho exacto.
Sente-se observado, mas sabe ser paranoia. Não se tem sentido observado tantas vezes ao longo das ultimas semanas? Sim, apenas paranoia. Paranoia e stress.
Continua a caminhar mais devagar, tentar detectar algo de anormal na inquietanto calma das ruas adormecidas. Em vão. Não há nada que o persiga, nada que ele consiga encontrar. Acaba por quase se convencer.
Caminha mais rapido ao aproximar-se de um trecho de uns 30 metros de rua sem iluminação, um daqueles becos esquecidos onde as trevas insistem em persistir. Há carros estacionados em espinha num dos lados da rua. Ele resolve circular pelo outro. Já passou há muito o sitio onde fora apanhado de surpresa. Quase convencido de que já não existia perigo, acaba por parar no meio daquele trecho escuro para acender um cigarro, o seu ultimo.
Solta o fumo do primeiro bafo devagar, deliciando-se com o efeito dentro de si, o corte da ansiedade causada também pela abstinencia.
Uma picada na nuca abaixo da linha da camisola.
...
A sua cabeça lateja, como se tivesse levado uma bordoada.
Abre os olhos. O jardim. O mesmo banco da outra vez. Novamente está tudo deserto. Não se lembra de nada.
Arrasta-se até casa, cabeça a latejar, pensamentos enevoados.
Pergunta-se o que raios lhe fizeram.
Abre a porta e tranca-a atrás de si. Pensa usar a correte de porta, mas lembra-se que ela ainda vai chegar e que usar a corrente implica ele ter que se levantar para lhe abrir a porta, coisa que ele não tem vontade nenhuma de fazer.
Esforça-se por se lembrar, mas não há nada alem do acender do cigarro.
Procura no bolso do casaco o seu bloco de notas actual e a caneta.
O bloco está no mesmo sitio. A caneta não. Acaba por se enfiar dentro do casaco, procurar em todos os bolsos.
Encontra a caneta o bolso direito interno, junto aos óculos de sol e a uma folha de papel dobrada.
"Que é isto? Não tinha folhas soltas comigo."
Pega nela e examina-a. É uma simples folha branca A5, impressa de um dos lados.
"Sei quem és. Sei onde vives. Sei onde o teu filho vive. Vais obedecer-me, ou ele vai pagar por a tua recusa."
Pânico. Não é possivel. Não o miudo. Não há qualquer instrução, só a ameaça. Servidão, usando como arma aquela que é a sua unica real fraqueza.
Precisa assentar estes acontecimentos em papel.
Pensa em mostrar a carta a alguém. Mas é um simples papel impresso. Podia ter sido escrito por qualquer um. Podia ter sido escrito e impresso or si. Apercebe-se disso. Mostrar aquela mensagem seria visto certamente como uma desesperada chamada de atenção. Não. Cabe a ele ver isto até ao fim, sozinho.
Queima a carta no cinzeiro que despeja de seguida. Sem riscos de cair em outras mãos agora.
Senta-se no sofá e escreve.
Ela chega e ele continua a escrever. Ela devia saber, afinal é a mãe daquele que está a ser ameaçado.
Não. Melhor deixá-la na abençoada ignorância. Afinal de contas, é algo dele que querem. Se colaborar vai ficar tudo bem.
Não vai haver motivo para que algo aconteça. Ele vai obedecer.
Não há escolha possivel quando é o miudo que está em risco.
E quem quer que esteja por trás disto aparenta saber disso.
...

domingo, 26 de maio de 2013

Despertar

Ele sai do edificio poucos minutos depois das 23:00, copo de café na mão esquerda, mexendo rapidamente a palheta de plastico que é substituta de uma colher real nestas maquinas de
distribuição automatica.
"Já trabalhei com estas máquinas" é um dos pensamentos soltos que preenchem os 25 minutos de caminhada que o separam da estação de comboio para casa e para o desejado oblivio do sono, o
desejado vortice temporal do sono, amenizador da dor da espera.
Faz sempre o mesmo caminho nos fins de semana, aquele solitário caminho, repleto de calma, por fora das artérias da cidade, atalho após atalho percorrido a pé num passo demasiado rapido
para a leveza e serenidade que transparece, quase como se os seus pés não assentassem sequer no chão, como se ele fosse vento que passa desafogadamente pelos becos e ruelas e travessas
da capital.
E é deste estado de meditação em movimento que se sente arrancado pela sensação de que algo está errado. Mas é uma sensação de perigo, não um dos habituais baques de trise realização.
Algo está mal. Algo na calma aparente da ruela deserta está errado.
Ele pára, procura nos bolsos o isqueiro e acende um cigarro, cabeça baixa, imóvel, os olhos alerta a perscutar cada milimetro da ruela.
Não vê ninguem, mas a sensação permanece.
Torna a caminhar, passo mais lento, cabeça baixa, olhos fixos no chão, ouvidos focados em qualquer som novo num raio de largos metros a sua volta.
Sente formar na sua mente uma imagem sua, vista de cima. Analisa o seu redo à medida que avança.
"Estou em panico apenas." tenta acalmar-se, ignorar a sensação.
"É apenas a tua reacção aos ultimos tempos. É só stress e cansaço."
A ultima coisa que sente é uma picada na parte de trás do pescoço e a dormencia qu dessa picada de imediato se espalha, roubando-o do equilibrio segundos antes de lhe roubar a
consciencia.
...
"Já acordavas..."
...
Torpor. Escuro. Uma incomoda dorzinha no peescço. O corpo pesa-lhe, como se o seu cerebro estivesse acordado mas o seu corpo a dormir.
Tentou abrir os olhos. Nenhuma alteração. Escuro. Mas as suas pestanas roçam algo ao abrir e fechar.
Vendado?
Alarme! Disparo de adrenalina pelo seu corpo, acordando cada extensão nervosa, permitindo-lhe perceber a sua situação.
Sentado naquilo que deve ser um banco de metal, braços amarrados atrás das costas, tornozelos amarrados ao banco. Em tronco nu, sente o toque cruel do nylon na sua pele, aspero e
constritor, fonte imediata da sua incapacidade de acção.
Preso e vendado. Resta-lhe ouvir.
Abranda a respiração e ouve. Concentra-se por completo em ouvir, em detectar algo.
Inspira.
Ouve um expirar que não o seu.
Expira.
Existe mais uma pessoa na mesma divisão que ele.
Não tinha forma de perceber se essa teria consciencia de que ele estava acordado.
Decidiu dar mais alguns minutos, tentar avaliar as sensações que recebe, analisar o que está a acontecer. Alem da irracional sensação de perigo, da picada e das cordas que o prendem não
há nada.
Um passo.
Leve. Sapato de mulher, salto.
Outro passo. Aproximava-se dele. Lentamente aproximou-se até estar junto a ele, ao seu lado, e acariciou-o com a ponta da unha, desde o inicio da sua barba por fazer até à sua pêra,
mais longa que o resto.
O toque electrizou-o por completo, arrepiando os pelos dos seus braços.
Os passos afastaram-se. Caminhavam na direcção oposta a ele. Contou sete passos até que a pessoa parasse.
Silencio, apenas cortado pela respiração de ambos.
Por mais que se concentrasse não conseguia detectar qualquer som exterior à sala, apesar de o mero respirar ou deslocar do seu anonimo anfitrião ecoar nos seus ouvidos com a intensidade
de um tiro.
E no completo silencio ouve um som que lhe arrepia a espinha.
O estalo seco de um chicote, brandido sobre o chão.
Não tem forma de saber a composição do mesmo, e a sua mente alegremente lhe apresenta diversos modelos de chicote capazes de produzir semelhante som.
O estalo inesperado do chicote nas suas costas depressa o arrancou do seu delirio, chamando a sua atenção para a linha de dor ardente nos seus ombros. Ainda esta não tinha começado a
aliviar quando nova chibatada percorreu as suas costas na diagonal, com tal força que ele sentiu a sua pele a rasgar debaixo do couro.
Cinco outras se abateram sobre a nua e já ensanguentada pele das suas costas.
Ele segura o grito de dor de cada vez que sente o impulso, que ouve o couro a cortar o ar em direcção à sua pele, que sente a sua violenta caricia no seu corpo.
Tanta raiva fora imbutida naquela investida inicial que ele conseguia notar a aceleração da respiração do seu torturador.
A percepção de tempo dele estaria certamente afectada devido à experiencia mas pareceu ter uma eternidade para respirar e ponderar se estaria a ser punido ou a receber a realização de
alguma fantasia erótica.
As gotas ocasionais do seu sangue que batem no chão fazem-no inclinar-se para a primeira.
Ele não estava amordaçado pois não?
Não, claro que não. Alguem que resolve aplicar este tratamento espera ouvir gritos, suplicas. Espera a recompensa pelo seu trabalho e pelo seu esforço.
O canto esquerdo do seu lábio levanta-se num rasgar perverso de meio sorriso.
A ponta da sua lingua recolhe uma lágrima de excruciante dor que ele não conseguiu conter e que desce pelo seu rosto, passando ao canto do seu lábio.
E o sorriso perverso valeu-lhe mais três chicotadas em rápida sucessão, menos fortes que antes, mas surpreendentemente rapidas e precisamente apontadas à ferida que ele sentia arder
abaixo da omoplata direita, abaixo do escorpião.
A extansiante dor rasgou alem da sua pele o seu sorriso, agora um completo e completamente perverso sorriso. Não saberiam que a dor era a sua mais velha e sábia companheira de uma vida?
Que ser acolhido nos seus braços também é uma forma de fugir ao vazio?
Fala finalmente, num murmurio calmo e suave que ecoa na divisão aterradoramente silenciosa.
"Posso questionar a quem devo a honra de tão acolhedora recepção?"
O sarcasmo era obvio na escolha de palavras, mas o seu tom era o mais sincero tom de vassalagem, de inferioridade, de perdição.
A resposta é o toqque leve de uma unha na sua espinha, percorrendo-a e baixo para cima cada vez aplicando mais força, mais pressão, ameaçando cortar a pele dele, e ele recosta-se ao
encontro daquela maravilhosa fonte de dor até sentir a gota de sangue começar a escorrer na parte de cima das suas costas.
Ele delicia-se no seu intimo, a dor trazendo acima aquilo que de pior há nele.
Novo murmurio, a servidão e inferioridade completamente descartadas do tom, substituidas por um tom de desafio, de rebeldia.
"Já provaste conseguir ser bastante sensual a causar dor. Diz-me, há um proposito para isto? Alem de excitar-me, fazer-me querer romper as cordas e possuir-te mostrando-te exactamente o
efeito da dor que me inflingiste?"
Som de um isqueiro a acender. Um primeiro bafo a ser puxado, solto calmamente contra a sua face, embrenhando-se nas suas narinas, fazendo-o desejar um cigarro.
Ele deixa cair a cabeça para trás, olhando vendado o tecto que não consegue ver, lábios ligeiramente afastados. Sente o filtro a serr colocado suavemente entre eles e puxa ansiosa e
sofregamente um longo bafo daquele abençoado veneno, segurando o fumo durante longos momentos, até os seus pulmões implorarem pela sua expulsão.
Solta pelas narinas o fumo, sem mudar de posição.
Tinha acabado de inspirar quando sentiu o calor e a dor e o crepitar e o odor a carne causterizada enquanto o cigarro lhe era apagado bem no centro das costas.
Nova picada no pescoço, leve e aguda e dormencia e tudo é nada.
...
Acorda no jardim em frente a casa, deitado num dos bancos de ferro mais escondido da visão geral do centro do jardim, bem longe do angulo de visão dos taxistas que a esta hora são os
unicos que poderiam ter visto algo.
Sente-se entorpecido. Está solto. Tem todos os seus pertences, tem a camisola e o casaco vestidos.
Não lhe falta nada.
Leva a mão ao pescoço. Não encontra nada que indique ou marque as duas picadas.
Levanta-se do banco, atravessa a estrada e sobe as escadas do prédio até casa.
Despeja os bolsos em cima da mesa, ao lado do computador.
00:58, a hora apresentada em digitos garrafais no centro do ecrã que acendeu assim que tocou numa tecla.
Despe o casaco e a camisola e olha as suas costas no espelho.
Nada. Não há marcas de chicote. Não há sangue. Não há os cortes daquelas unhas que mais pareciam garras.
Há apenas uma marca redonda no centro das suas costas, de queimadura recente cuja bolha foi precocemente rebentada e que arde a cada pequeno movimento que mexa a pele violada.
"Eu estou a ficar louco?"
Precisa de falar com alguém. Contar o que se passou. Desabafar que existe receio dentro dele. Receio pela sua vida e pela sua sanidade. Mas consegue já ouvir os argumentos dos que o
ouvissem.
"Não tens marcas, não tens testemunhas."
"Chegaste a casa uma hora depois? E então? Paraste para beber um copo e abusaste."
"Estás novamente a delirar, a jogar com a cabeça dos outros."
"Cresce."
"Isso são tretas. Estavas com a moca e deliraste."
Mas e a marca? E que dizer da queimadura?
E vêm-lhe à memoria as palavras da sua propria mãe: "Ele se está ferido foi porque se feriu a ele mesmo. Ele é maluco para tudo."
Sozinho e perdido, condenado a disfarçar a realidade de ficção para poder desabafar.
Mas quem poderia amar e odiá-lo tanto assim, com toda aquela intensidade?
Que outro demonio desperta dos infernos em busca de vingança ou paixão ou qualquer outro intuito escondido?
"Quem és tu?"
...

sábado, 25 de maio de 2013

Chá matinal

Fazes chá num sabado de manhã, perdido em pensamentos inuteis enquanto repousas no sofá à espera da hora de te arrastares para o trabalho, contando segundo a segundo o tempo a passar, o
tempo que é tudo o que te separa de uma pequena luz, já não tão distante quanto isso, mas que parece ainda demorar uma eternidade a chegar.
Esperas e trabalhas e lês e dormes e continuas a esperar, porque esperar agora é tudo quanto podes fazer.
Fumas demais também. Fumas até ao ponto em que fumar ou não é inutil, não vais ficar a sentir nada de diferente. Ao menos há o trabalho. Há hipotese de tirares a cabeça de tudo e te
embrenhares num mundo de configurações e esquemas e analises e alarmes e sinais que para o comum dos mortais pouco ou nenhum sentido faz, mas que para ti é como heroina, extasiante e
viciante. Escapas para este mundo da mesma forma que escapavas para os jogos onde podias ser alguem que não tu. Escapas à realidade. À tua realidade.            
Escapas ao baixo salário e à rotina de ter folgas que não correspondem às de ninguem com quem poder estar, escapas ao sentimento de vazio que te preenche quase sempre, escapas a
fazer-te perguntas incomodas como "Tens a certeza que não estás só a mentir a ti mesmo?" e "Queres mesmo continuar o antigo caminho?", escapas ao silencio aterrador de olhar alguem que
sabes que gosta de ti e não saber o que dizer porque no fundo nada tens de interessante para lhe contar, e não sabes de que forma puxar outro assunto, e não queres dizer-lhe "Adoro-te"
porque podes estar a enganar-te.
E pensas que na verdade, apesar de quando a seguras nos teus braços e a esmagas contra o teu peito (o teu rosto no pescoço dela, olhos fechados, lábios a tocar levemente a sua suave
pele) o vazio desaparecer e conseguires sentir enquanto assim é, sabes que vai voltar assim que ela sair de junto de ti.
Sabes tambem que és uma esponja autentica. Que o vazio desaparece sempre, por momentos. Era por isso que antes procuravas sistematicamente aqueles encontros furtivos de uma ou duas
noites, casos sem importancia que te permitiam respirar de alivio por algumas horas durante as quais o mundo ganhava sabor e cheiro e cor e musica que te criam sensações que não são
absorvidas pelo absoluto vazio antes de as poderes realmente apreciar. E enquanto ele ou ela dormia, durante as primeiras horas da madrugada, te esgueiravas para fora da cama e tomavas
um café e fumavas um cigarro e escrevias um poema porque eram os poucos momentos de paz que tinhas antes de teres que voltar a subir para o quarto a uma hora politicamente correcta para
expulsares de lá quem te fez companhia na noite, e teres o teu tempo antes do inevitável regresso ao estado normal, altura em que tentarias repetir a façanha e encontrar nova companhia
para a noite que se avizinha.
E com o passar do tempo tal tornou-se intoleravel, pesa-te sequer considerares a hipotese. Pesa-te ao ponto de teres ao teu lado uma mulher linda, sentada no mesmo sofá que tu, a
pedir-te o isqueiro para aquecer polen para um charro, enquanto tu próprio fumas um, e nem te dás ao trabalho de levantar os olhos do tampo da mesa onde estás a fazer padrões com os
pedaços de tabaco que cairam para lá, lhe estendes o isqueiro e continuas a fumar, apesar do sorriso dela ao olhar para ti desde que entraste, apesar de ela se ter vindo colar a ti com
tantos outros lugares vagos na sala de fumo do bar.
Pesa-te e faz-te ficar sossegado e passivo quando podias realmente continuar a fazê-lo sem dificuldade.
Faz-te pensar em livros e em chá, e em tardes de folga gastas no sossego da sala, com musica de fundo a ler e a fumar.
Faz-te pensar que talvez estejas a fechar mais uma porta, tal como o teu cota te diz tantas vezes, e que estejas a tornar ainda mais dificil chegar a ti.
E pela manhã, sentado no sofá, pensas nestas coisas e tantas mais, perdido nos segundos de espera para o proximo escape, para o proximo momento onde estarás, se não feliz, pelo menos
bem contigo mesmo e com tudo à tua volta. És louco em pensar desta forma sobre aquilo, mas quem és tu para chamar louco a alguém quando tiveste 3 esgotamentos, tens disturbio bipolar e
possivelmente um certo grau de esquizofrenia?
Pensas ligar a alguem talvez. Falar um pouco com o teu pai, com o teu primo talvez. Não o fazes, mas pensas nisso todos os dias. Pensas falar com ela. Contar-lhe como te sentes,
contar-lhe o porquê de estares a agir assim, fazer-lhe entender as duvidas que tens, explicar-lhe que não duvidas de que ela goste de ti, mas que tu estás a duvidar de ti mesmo, a
duvidar do teu comportamento e da tua historia.
Porque tu sabes o quão facilmente ficas viciado. E sabes o quão viciante é a droga do amor. E não sabes se não estarás apenas a ressacar e tentar arranjar uma dose, sem haver nada mais
a não ser a ressaca e a necessidade. E sabes que ela merece que lhe retribuam na mesma moeda aquilo que ela entrega.
Perdes-te novamente em pensamento, desta vez recordando-a a ela, vendo-a na penumbra da noite, silhueta desenhada, cortando a parca iluminação exterior, as linhas esguias, o equilibrio
da proporção do corpo dela. Demasiado magra seria a opinião de alguns dos teus amigos, se a conhecessem. Perfeita é a tua.                         
É algo que nunca conseguiste explicar mas tens esta estranha atracção por pessoas magras, talvez um pouco demais.
Lembras-te das conversas na cama, depois de foder. Lembras-te dos sorrisos e do ronronar dela (pessoas que vivem com gatos muito tempo...). Lembras-te de tanto em tão pouco tempo, e
sabes que deves não só a ti mas a ela algo mais que isto. Algo mais que usá-la como narcotico que apazigua o vazio. Ama-la. Partilhar um pedaço da tua vida com ela. Dirias desejá-la,
mas tu já a desejas. Ser desejada nunca foi uma das queixas daqueles com quem estiveste. Não, não é o desejo a falha.
Não queres falhar. Não queres magoar desnecessariamente mais alguém, especialmente dado tudo o que já aconteceu.
Vais fazer mais um chá, aguardas mais meia hora a ouvir a "Change of Seasons" dos Dream Theater e vais trabalhar. O devaneio da manhã colocado de lado, na pilha de devaneios matinais
descartados, à espera de serem relidos e reflectidos. Talvez um dia o faças.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Vazio

Não sabe bem o porquê, mas sente-se preso, como um animal selvagem recem-capturado numa jaula demasiado pequena para esticar os membros.
Sabe não ter motivos para se sentir assim, ou pelo menos tudo lhe indica que não, mas o sentimento prevalece.
Procura refugio num daqueles recantos perdidos onde o sol jamais brilha seja qual for a hora do dia, onde o fumo e o cheiro a café e alcool incendeiam as narinas, onde ninguém excepto a
pessoa que se encontra atrás do balcão o conhece, e mesmo essa apenas de vista e das poucas simpaticas palavras dos seus pedidos.
Pede um café duplo, chávena quente, cheio e senta-se na mesa do canto. Tira o pesado casaco de cabedal e acende um cigarro, segurando durante longos segundos o fumo do primeiro bafo
dentro dos pulmões, soltando-o em um longo bafo. Bebe o café sem açucar. Precisa de algo mais. Precisa de um sinal, pensa. De uma luz, algo que aponte o caminho.
Claro que ele sabe qual é o seu caminho. Tem uma promissora carreira pela frente, e é esse o caminho que deve seguir. Mas e o resto? Tudo o resto? A sua carreira é a unica coisa
relativamente estável. Só naquele mundo misterioso e alheio, nas traseiras do mundo das comunicações, trabalhando nas sombras para que tudo funcione.
Reconhecimento? Todo o reconhecimento que procura é-lhe dado. Precisa de férias? Quando? Quer mudar de folgas? Para quais?
Precisam dele, precisam da forma como ele funciona. A forma rapida, a evolução constante, as soluções praticas e realizaveis de alguem com os pés bem assentes na terra, aliadas à
audacia de pensar de forma diferente e da coragem de seguir as suas decisões.
Implementou projectos que alteraram em meses a forma como as coisas funcionam dentro da sua area.
Acompanha os casos mais importantes, trata aquilo que apenas uma muito reduzida minoria se atreve a pegar.
É importante ali.
E tudo o resto é vazio.
Costumava pensar que a dor imensa que costumava sentir era penosa, mas a verdade é que o vazio lhe pesa bastante mais que a dor. Preferia a dor, ao menos existia uma indicação de que
algo se passava. De que havia vida. Agora? Sabe que respira. Sabe que eventualmente sente fome. Vida? Não. Sobrevivencia. Ele sobrevive porque continua a ser demasiado teimoso para
parar de o fazer. Mas falta-lhe algo que preencha o vazio.
E enquanto estes pensamentos lhe atravessam a mente, efemeros e frageis como o fumo do seu cigarro, entra no local um grupo de mulheres. Jovens. A sua idade, no maximo. Provavelmente
menos. Uma delas parece reparar nele no canto, fumando em silencio enquanto termina o café.
Ele olha finalmente, directamente nos olhos dela, e ali a prende pelo que parece uma eternidade para ela, mas que na verdade não terão sido mais de uns dez segundos. Ela sentia a
intensidade do olhar, fixo, directo nos seus olhos, como se tentasse ler a sua alma.
E ao quebrar o misterioso e hipnotico olhar, ele sorri e faz-lhe sinal para se sentar.
Talvez haja um pouco do vazio que possa ser preenchido, ou pelo menos temporariamente afastado.
"Olá, o meu nome é Chainer, e o seu, qual é?"



quinta-feira, 9 de maio de 2013

Part I : Really old memories

It was mid November. He was at school, 2nd grade. He was seven.  The room was cold, for no amount of artificial heating could match the arctic like gale that pounded the windows constantly causing a horrifying, contant creaking.
It was a few minutes past 10 0'clock when his mother knocked on the open door to call the teacher's attention, asking to speak to her in private.
He watched in silence, anxiety taking hold for the first time in his young life.
Something was wrong, he just didn't know what. Had he done something bad? Something so severe to make his mother miss work and come to school? He doesn't think so, but still, he barely ever understands what his mother thinks is right.
Soon enough, both teacher and mother entered the chilling, huge classroom, approached him, all his colleagues with eyes fixed on them, his mother hiding tears in her eyes and finally the anxiety was put an end.
"Your great grand mother died."
He said nothing, did nothing. He didn't cry. He didn't ask when, for he knew an approximate when. He had kissed her good morning before leaving for school. She had said "Goodbye Sage.", pretty much like every other morning. But this morning she didn't say "See you later." after kissing him back.
When didn't mater, it was after that. Inside he felt a bit of emptyness open up in him.
She had said goodbye to him, her final goodbye. When he was older, much older, he eventually understood. She knew it was the end, and she took some of those precious, vital, final moments to say goodbye and kiss him.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dia Zero: Reflexo

São os momentos passados longe, os momentos de clausura no meu privado santuario que me fazem perceber com clareza onde devo estar. O que devo fazer. Porque é quando a distancia de tudo
se apodera de mim que me permito aperceber-me daquilo de que realmente sinto falta.
A distancia e o silencio convidam a meditar, a pensar demais sobre assuntos relevantes ou não. Podem causar com que nos percamos no labirinto da mente, ou com que a verdade se apresente
perante nós com a maior das simplicidades.
E é neste silencio e nesta distancia que encontro a reafirmação do meu desejo de ti. Desejo não do teu corpo, mas de ti. Saudades de falar e de partilhar silencios.
Imagens de ti, do teu sorriso e do calor dos teus abraços, do desejo partilhado nos nossos beijos. A liberdade de poder não ter que me conter...
Medos e receios? Claro que sim. Mas não é heroi aquele que nunca sente medo, mas aquele que apesar do medo se levanta e continua a lutar e a viver.

We can be heroes...