sábado, 21 de junho de 2014

Beco dos Vadios, Parte 2: O Rato

Estava em frente dos monitores, cinco no total, observando alternadamente três deles, batendo ritmicamente com os dedos no tampo da secretária, impaciente. Esperava algo, mas esse algo não era o toque do telemóvel.
"Raios! Que querem agora?"
A impaciência era óbvia no seu tom quando atendeu. Não chegara sequer a olhar para ver quem lhe ligava.
— Sim?
— Rato?
— Sim? Quem fala?
— É o Marco.
— O que queres?
— Irra! Mau feitio.
— Estou ocupado, Marco. Diz lá o que precisas.
— Dei o teu contacto a uma miúda. Acho que ela precisa de ajuda.
— Deves pensar que eu sou a Santa Casa da Misericordia...
— Disseste para nos mantermos atentos a casos de desaparecimentos.
— Sim. É o caso?
— É. A irmã dela desapareceu.
— Há pistas?
— Nada, segundo a Filipa.
— Quem diabos é a Filipa?
— A miúda que mandei contactar-te.
— Fizeste bem. Depois recompenso-te se ela me contactar.
— Rato... há outra particularidade. Eu conhecia bem a irmã dela. É uma miúda que eu gosto bastante. Elas são gémeas.
— Gémeas, hum? Acho que ganhaste o mês se ela me contactar, Marco. Obrigado. Precisas de alguma coisa mais por agora?
— Descobre a Elisa, Rato. Preciso que descubras a Elisa...
— Não prometo nada.
— Faz o que puderes Rato. Até mais.
O Rato desligou a chamada. Mantinha os olhos no monitor, mas seleccionou um dos ecrãs inactivos, abrindo nele um ficheiro de texto.
"Rumores de mais um desaparecimento sem pistas. A aguardar contacto da irmã da desaparecida. Segundo informação recebida, a desaparecida e a irmã são gémeas. Talvez provem ser a oportunidade que eu tenho esperado. A aguardar contacto."
Guardou o ficheiro e continuou a monitorizar os ecrãs. Aguardava agora duas coisas.
"Odeio esperar..."
—***—
Somente um louco confiaria num estranho sem rosto para responder às questões a que ninguém saberia responder. Mas louca esperava Filipa ficar se não obtivesse uma explicação. Sem um corpo para velar, sem uma noticia de que Elisa estava viva, e sem uma pista que pudesse seguir, tinha ela alternativa? Tudo o que tinha era um cartão entregue por uma cara semi-familiar e o incessante eco na sua mente repetindo vezes sem conta aquelas palavras. "O Rato explica. O Rato sabe."
Ponderou e pensou e reviu opções, chegando sempre a mesma conclusão. A sua única pista era aquele estranho cartão com um numero de telefone dado por um quase desconhecido depois de uns quantos copos. "Devo estar a perder o juízo" era o pensamento que mais se repetia na sua cabeça. Passavam três semanas desde o desaparecimento de Elisa, e cada vez Filipa tinha menos esperança de a encontrar viva, mas algo que ela não sabia explicar a impelia a continuar a busca. Quase como se a sua irmã implorasse pela sua ajuda, de onde quer que estivesse. Foi esse estranho sentimento, mais que a esperança, que levou Filipa a ligar o numero no cartão. Sozinha no seu quarto, deitada na cama, finalmente resolveu marcar o numero. Pareceu-lhe uma eternidade antes de ouvir uma voz do outro lado, mas não teria passado um minuto.
— Boa noite.
Do outro lado ouviu uma voz rouca, grave. Paralisou, as palavras presas na sua garganta.
— Posso ajudar?
A questão colocada fez com que Filipa conseguisse finalmente falar.
— Queria falar com o Rato.
— Qual é o assunto?
— É sobre o desaparecimento da minha irmã.
— O seu nome é Filipa?
— É sim. Como sabe?
— Foi um conhecido meu que lhe deu este numero. Estava à espera do seu contacto. Eu não confio muito em telefones, e isto é um assunto delicado. Vou enviar-lhe uma morada. Esteja lá amanhã, às 21:00. Não se atrase, sou uma pessoa ocupada. Até amanhã, senhora Filipa.
Filipa ouviu o clique da chamada a ser terminada antes de poder responder. Segundos depois recebeu uma mensagem com uma morada. Pesquisou a mesma, descobrindo que ficava localizada numa zona mal afamada da parte antiga da cidade. Na sua cabeça, a ânsia de respostas lutava contra o receio. O risco de comparecer a um encontro com um desconhecido numa zona conhecida pela sua insegurança, famosa por assaltos e tráfico de drogas fazia-a pensar não ir. Mas esta era a sua única pista. Mal conseguiu dormir nessa noite, e o dia seguinte foi passado numa angustiante espera. Decidiu comparecer. Vestiu uns jeans confortáveis, um top justo e calçou um par de ténis que lhe permitiriam correr caso algo desse para o torto. "Porque correr vai mesmo safar-me de levar um tiro..."
Tentou apanhar um táxi que a levasse à morada, mas apenas o terceiro que parou se disponibilizou a fazê-lo, os dois primeiros recusando-se a entrar no bairro em questão.
Faltavam dez minutos para a hora marcada quando o táxi parou em frente da morada. Viu recusado o seu pedido para que o taxista esperasse consigo esses dez minutos, sendo forçada a pagar e esperar na rua. A casa indicada encontrava-se em ruínas, obviamente desabitada. Sentia-se completamente vulnerável e indefesa na rua deserta. Esperou cinco minutos a sós antes de notar um grupo de cinco rapazes a percorrer a rua na sua direcção, jovens, nos seus 17 ou 18 anos. Um deles foi ter com ela, os restantes espalhando-se à volta a pouca distância, cercando-a. Viu um sorriso sádico no rosto do que a ela se dirigia, qual predador que olhava uma presa indefesa e cercada.
— Olá beleza. Arranjas-me um cigarro?
Filipa tirou do bolso de trás das calças uma cigarreira de prata. Abriu-a e tirou um cigarro, estendendo-o ao rapaz sem dizer uma palavra.
— Lumes?
Filipa entregou-lhe um isqueiro Zippo também ele de prata. Viu o rapaz observa-lo durante momentos, acendendo depois o cigarro com ele.
— Bonito isqueiro, beleza. Acho que vou ficar com ele. E com essa cigarreira também. Passa para cá.
Filipa hesitou, sem saber o que fazer. Sabia que era um erro ter vindo até aqui. Pensou que se colaborasse talvez fosse poupada a problemas mais graves. Tremia como varas verdes ao pegar novamente na cigarreira, preparada para a entregar, quando ouviu uma voz grave e calma atrás de si, com um timbre que Filipa tinha ouvido antes.
— Vais devolver o isqueiro à senhora, pegar nos teus amiguinhos e desaparecer da minha vista antes que eu me perca a paciência contigo...
Filipa e o seu assaltante pausaram, olhando na direcção da moradia abandonada, em busca da voz. Vestido de negro, calças largas, botas de combate, mãos dentro dos bolsos de um casaco longo até abaixo dos joelhos, o rosto obscurecido pelas sombras causadas pelo capuz largo do casaco puxado sobre a sua cabeça, um homem alto, um pouco mais de metro e oitenta, olhava-os por trás da escuridão que lhe escondia o rosto por completo, pose neutra, quase descontraída.
— És surdo, miúdo? Disse-te para devolveres o isqueiro à senhora. Estás a demorar a cumprir ordens. Não gosto de demoras. Agora...
O tom era de óbvia ameaça. O rapaz olhou-o com um intenso olhar de raiva.
— Mas quem pensas tu que és para me dares ordens? Aqui a única lei é a lei do mais forte. Desaparece.
O silvo de um disparo com silenciador e a dor no joelho que o atirou ao chão foram a resposta que obteve, seguida da voz rouca em tom sarcástico.
— Exacto, fedelho. Lei do mais forte. Avaliando pelo estado em que estás, eu diria que esse sou eu. Sou o Rato. Vais entregar o isqueiro, bem como o que quer que tenhas contigo à senhora como compensação por seres um idiota e a teres assustado.
Rato levantou a voz, sem se mexer, fazendo-se ouvir perfeitamente aos restantes companheiros daquele que jazia no chão.
— Além do fedelho, vocês são quatro. Eu tenho mais 11 balas no carregador. Desapareçam.
Dirigiu-se ao rapaz caído no chão, apanhou o isqueiro, tirou-lhe uma carteira do bolso, entregando ambos a Filipa que os recolheu em choque.
Apontou a pistola à testa dele, saboreando o medo nos olhos do rapaz, o predador que subitamente se havia tornado presa...
— Não vales a bala.
Guardou novamente a arma.
— Siga-me, senhora Filipa. Tenho o carro ali atrás. É melhor irmos para um sitio seguro, temos muito que falar. Você procura respostas, e talvez me possa ajudar.
Filipa continuava em choque, paralisada. Acabava de ser alvo de uma tentativa de assalto, salva por aquele que era culpado de ela estar naquele local para começar. Nem registou a frase do Rato.
— Senhora Filipa...
Ela voltou por fim a si, respondendo num murmúrio.
— Sim?
— Siga-me.
Nas traseiras da casa esperava-os um BMW preto, de vidros fumados. Rato ocupou o lugar do condutor e baixou o vidro.
— Entre.
Filipa entrou no banco do pendura, ainda em piloto automático. Rato arrancou de imediato, a alta velocidade, sem uma palavra. Minutos depois estavam a entrar no que parecia por fora ser um armazém abandonado, Filipa ficando espantada com o contraste entre o exterior e o interior. Dentro do espaçoso armazém havia uma oficina, e ao fundo uma separação, uma divisão. Foi para lá que Rato se dirigiu, com Filipa no seu encalço. Ao entrar deparou-se com uma sala arrumada, sofás, estantes. Uma sala que ela esperaria ver num apartamento, com duas portas fechadas para o que ela esperava serem divisões extra. Perdida na observação não vira o Rato tirar o capuz. Soltou um grito de susto ao olhá-lo novamente. Pele branca, cabelo branco e olhos vermelhos, penetrantes, que a olhavam com um certo espanto.
— Que foi? Nunca viu um albino? Sente-se. Temos muito que conversar...

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sometimes...

Many years ago I was too afraid to say "Stay by my side", to say "I need you here with me". Because I said nothing at all, you left, not knowing just how important you once were for me. Now, a decade later, I see you online and I think to myself "should I tell you?". And I don't. I never tell you anything because I think you wouldn't understand. I think that maybe you wouldn't care, or it wouldn't be relevant. In your absence I learned about myself, and found the strengh to endure, to challenge and to survive. Maybe I wouldn't have found that if I had said those words so long ago. Maybe we would have tried out a reality where you and me would be "us". Or maybe I wouldn't have made all the mistakes that made me who I am today. Maybe we would both be different persons if I had had the courage to speak.
But maybe I wouldn't have the strengh I have today. And maybe you wouldn't have become the rebel activist you are now. I don't know. There is no way to know for sure. But I do know one thing... somehow, a decade later, even though I've healed the wound of losing you, the perfect woman I never won, I find myself staring at your picture online, looking at the green dot that marks you as online, and I think that maybe this decade just made us so much better for each other.
It pains me that our time has past... for sometimes... not everyday, not even every month, but sometimes I still dream of you. I still dream of those afternoons together playing a game I could have won hours before, yet kept dragging on waiting for you to find a way to beat me just to see that smile.
Sometimes, I still dream of you.
I hate dreaming...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

As palavras que não te disse

Não vi "A vida de Pi" mas de alguma forma uma frase do filme encontrou-me no momento certo. Uma frase que diz que devemos sempre concluir tudo, sem deixar pontas soltas, sem deixar nada por dizer, pois só assim podemos seguir em frente, e ter a paz que merecemos.
Há coisas que não te disse. Coisas que ficaram por dizer no tumulto que antecedeu aquele final abrupto, mas não inesperado. Culpa em parte de estar ainda a terminar de remendar os pedaços da minha vida antes de ti. Pedaços que tinham que ser resolvidos e sem os quais, mais uma vez voltamos, eu não poderia seguir em frente e dar-me a 100% como o merecias.
Não te disse que estava pronto para ficar junto a ti e que dentro de pouco mais de uma semana estaria ao teu lado. Fui avisando que estava a tentar mas nunca dei muito mais noticias que isso. Eu tenho o problema de viver demasiado dentro de mim, e de não saber as vezes como comunicar o que poderia talvez fazer a diferença. É um daqueles meus defeitos que sempre me custou e continua a custar mudar.
Não te disse que começaria na segunda feira da semana seguinte a fazer um trabalho que certamente iria odiar, mas que seria próximo de ti e que por tal eu poderia aguenta-lo perfeitamente. Nem que tinha até dado o sinal de um lugar próximo, para que ambos pudéssemos ter o nosso espaço e a nossa companhia sempre que tal fosse desejado.
Não te disse o quanto eu esperei por a oportunidade de finalmente poder estar perto, ou o quão importante eras. É este meu ar frio e distante e as cicatrizes da minha alma e aquela aparente força inabalável que tento transmitir a mim mesmo e que os outros acabam por apanhar como sendo certa, que as vezes me impede de dizer estas coisas.
Não te disse que durante todo este tempo eu tenho estado a adiar o meu emprego de sonho para ficar contigo. Não queria que te sentisses responsável por eu estar a desperdiçar uma oportunidade, quando sabias bem que já o tinha feito antes. Não era minha intenção que te responsabilizasses, nem o é agora tão pouco. Só quero dizer aquilo que ficou por dizer.
Não te disse que demorei mais de um dia e meio a responder àquela mensagem, apesar de a ter lido e relido, desiludido mas ainda assim sem a capacidade de te culpar por algo. Acho que devo explicar melhor a desilusão. Não é contigo que estou desiludido, mas um pouco comigo por não ter sido mais rápido. Ficar-me-á sempre aquela questão, sabes? Questão irritante como tantas outras começadas por aquelas duas fatídicas palavras. "E se..."
"E se eu tivesse sido mais rápido, mais eficiente, mais forte, mais corajoso, mais..."
Não te disse que tinha planos meus, mas que gostaria imenso que passassem a ser nossos, ou mesmo que colocasse de lado os meus planos em favor dos nossos, concebidos em conjunto tendo em conta os desejos e necessidades de ambos.
Não te disse que estava a perder a esperança de viver mais uma vez quando te encontrei, nem que me mostraste que eu tinha força para lidar com aquilo e muito mais. Não quero desenvolver muito este ponto, mas basta dizer que considerava refazer o que fiz há anos atrás, e que desta vez não ponderava falhar.
Não te disse como me mostraste que eu estava longe de chegar ao meu limite, e como me deste de novo a vontade de me erguer e lutar por mim, por nós, por ti. Não to disse porque não podia entregar-te sobre mim tanto controlo, por receio de que ele fosse usado de forma errada.
Não te disse que tinha uma enorme desconfiança face a todas as pessoas, mas contei-te uma pequena parte do que causou isso. Não te disse que sempre receei entregar-me por completo precisamente por isso, mas que sempre tentei dar o máximo que me era possível enquanto recolhia as certezas que precisava.
Não te disse o quão exausto estou de procurar em vão a felicidade que por momentos senti nos teus braços.
Não te disse que não tinha intenção de procurar mais além de ti.
Não te disse que sem o teu apoio eu não teria voltado a abraçar a minha paixão pela arte. Que foram as tuas palavras e os teus pedidos de informação adicional que me atiraram à caneta e ao papel para satisfazer a tua curiosidade, causando com que a minha necessidade e a minha paixão pelas letras tomasse novamente o seu lugar em mim, lugar que há tanto tempo eu lhe passara a negar para que as minhas palavras não fossem distorcidas ou mal interpretadas e viradas contra mim.
Não te disse nada disto, porque eu não falo muito. E não to disse porque eu adorava beber as tuas palavras, e deixar-te esvaziar a tua dor, e que o fazia com prazer mesmo que não soubesse a falta que te fazia ter alguém que te ouvisse.
Falhas de comunicação irreparáveis agora, que mesmo esta tentativa de exposição não vai de todo remendar. Não é esse o intuito. Não posso alterar o passado. Não o iria fazer mesmo que pudesse.
Disse-te no entanto que não me arrependo de nada. E não me arrependo do tempo que passei a teu lado, por curto que tenha sido, mas qualquer tempo é curto para se estar com quem nos faz bem. Tudo tem um tempo certo, e eu deixei que o nosso passasse.
Posso dizer—te ainda mais uma coisa. Não é algo que tenha ficado por dizer, mas algo que quero que saibas agora. Digo-te obrigado, e digo-te até um dia, e digo-te que poderás se um dia precisares, contar comigo se achares que o deves fazer, ou se necessitares de uma daquelas habilidades sombrias e não conheceres mais ninguém.
A vida chama-me lá para fora por agora, e assim me despeço com votos de felicidades e um "Até um dia destes."