terça-feira, 30 de setembro de 2014

Testemunha do tempo

Era tão pequena que ninguém reparou nela. Uma pequena racha com apenas alguns milímetros. Não podia ser importante. Não chamava a atenção.
Mas cresceu à medida que o peso que o pilar suportava aumentava de dia para dia, de hora para hora. Imperceptível a olho nu, escapou-se de qualquer exame minucioso. Não havia necessidade, afinal, tudo parecia estar bem.
Até que corrompeu toda a estrutura. Qual vírus desconhecido propagou-se invisível. Propagou-se sem causar estragos. Até que se activou. Até que um pequeno pedaço apanhado entre duas das ramificações se escapou e caiu, levando consigo todo o resto do pilar principal. Sem a sua base, a estrutura ruiu. Desfez-se em ruínas e pó numa implosão inaudível. Não havia ninguém por perto para a ouvir. Como de costume, toda a gente estava demasiado ocupada com algo supostamente importante para reparar.
Procuraram depois, a intervalos de tempo irregulares, conforme a necessidade de apoio daquele templo onde tudo parecia sempre tão perfeito, e no lugar do seu paraíso encontraram uma pilha de pó e pedras quebradas sobre o jardim da mágoa. O seu refugio havia sido destruído por algo que nunca ninguém chegaria a perceber. As mudas ruínas levaram consigo as palavras doces inscritas nas paredes, tornando-as ilegíveis e indecifráveis. As ruínas sangravam pó de rubi outrora incrustados nos pilares.
Tristeza, melancolia e quase indiferença eram as reacções comuns nos supostos peregrinos. A palavra não se espalhou. Os fieis choraram em silencio a sua falta de atenção, enquanto os opositores se regozijavam na ilusão de que algo esquecido que tivessem feito pudesse ter levado à queda do templo.
Mas apenas uma alma perdida sabia a verdadeira história. Um corpo que assistira de dentro à implosão, consumido pela infecção que ninguém detectou, deixando para trás uma alma condenada a relembrar sem nunca poder partilhar com ninguém a queda do templo.
Uma alma que observou fieis e infiéis, incapacitada de intervir, consumida pela fúria, o ódio e a mágoa...
Condenada a apontar o dedo em silencio do fundo dos sonhos mais negros ao responsável pela rachadura original. Condenada a ser ignorada como um fragmento da imaginação descontrolada de alguém que dorme profundamente... Condenada a esperar que alguém alguma vez aprenda a ler o seu silencio forçado... A esperar que alguém aprenda as palavras mágicas para o quebrar, para finalmente poder partilhar as razões por todos os outros desconhecidas para a queda do antigo templo que continha no seu seio o jardim da mágoa.
Com o tempo até ela esquecerá... e a eternidade é bastante tempo para poder esquecer... Talvez no esquecimento encontre a sua paz final...
A eternidade o dirá...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

São as centenas de perguntas que não faço, ou são as poucas que me atrevo a fazer?
Que intuito me leva a massacrar-me, a desejar cada segundo de tortura?
Quem és tu, borboleta que esvoaça a meu redor? De onde vens, que essencia tens?
Tu que com tua elegante deselegancia me roubas o olhar e a atenção que eu deveria dar a fosse o que fosse que não tu, tu que nem sabes quem sou ou notas que existo aqui, que me atiras com migalhas da tua atenção sem reparares que aqui estou de verdade, que há vida atrás do vazio olhar de dor e solidão.
Há vida? Há mesmo?
Há vida dentro desta tempestade de luz e trevas onde o caos e a ordem se confundem e se misturam? Silenciados na musica os gritos de dor, haverá realmente algo que ainda recorde sentir e viver por trás da máscara? Está a máscara viva agora? E quem raios és tu e que diabos vês tu? Vês? Vês mesmo? Não, não vês, ou vês sem ler, porque não sabes ler os simbolos alienigenas que diante de teus olhos se demonstram, mesmo com a chave contida no proprio puzzle...
Muralhas de logica e arcanas defesas desfeitas num olhar.
E doi por dentro a cada segundo, e pego a folha marcada de circulos estranhos em algumas partes e queimo-a na vela que uso para iluminar a minha caneta na sua viagem pelas linhas, enquanto a minha mente tenta traçar uma imagem que vê mas não sabe desenhar.
Odeio.