segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Homem que fala com sombras

N3:00 horas de uma sufocante noite de sábado. Sentado sozinho numa mesa de canto de um pequeno e escondido bar, ele observa as gotas de condensação que se formam no copo de whiskey. Não gosta de gelo nas bebidas, mas o calor da noite de início de Julho faz com que ele precise de algo gelado. Acende cigarros que deixa a arder entre os dedos da mão direita, mal lhes tocando, apagando-os por fim no cinzeiro. O bar está repleto, todas as mesas ocupadas. A decoração tenta imitar um regresso ao um passado que lhe fala ao coração, um misto de vitoriano com traços modernos integrados. Lembram-lhe bom gosto, etiqueta e poesia. E antiga, corrupção e morte também...
No meio da multidão de pessoas de estilos alternativos, na maioria vestidas de preto, ele quase passa despercebido. Amanhã é outra história. Levanta-se, resignado, engole o último quarto de dose dum trago e leva o copo até ao balcão, deslizando pela multidão como um felino.
Pousa o copo no balcão, faz sinal ao barman. Recebe nova dose de whiskey, desta vez sem gelo. Entrega uma nota ao barman, pega no copo e volta novamente para a sua mesa, escondido à vista, o seu canto e a sua mesa solitária, que ao chegar perto nota não estar tão solitária quanto devia.
Casaco longo de cabedal, botas militares, cabelo prateado apanhado atrás num rabo de cavalo, um homem que aparenta pouco mais de 20 anos espera-o, sentado na cadeira ao lado daquela que ele ocupava.
Senta-se, pousa o copo e acende um cigarro. Age como se o outro não estivesse ali, em sequer olhar na direcção dele. Passa alguns minutos em silêncio, puxando ocasionalmente um longo bafo do cigarro. Apaga-o com demasiada força no cinzeiro e bebe um longo gole do seu copo.
Ao seu lado, o outro homem finalmente se mexe, tira do bolso interno do casaco um envelope lacrado e entrega-lho. Ele observa atentamente o selo, e guarda o envelope no bolso do seu próprio casaco que jaz abandonado ao seu lado. Enquanto o faz, o homem de cabelo prateado levanta-se e caminha pela multidão, desaparecendo na direcção da saída, quase como se ele e a multidão existissem em planos distintos. Pensa abrir a carta, mas a esguia figura feminina que a ele se dirige faz com que ele se detenha. Sao os lábios que primeiro lhe chamam a atenção na face dela. Carnudos, apetecíveis, demarcados pelo Bâton vermelho vivo e pela sua pele clara. Ele demora uns segundos preso na imagem mental de provar, beijar, trincar aqueles lábios.
- Ola, Ângela.
- Hey! Como estás? Andas desaparecido. Que tens feito?
Ele odeia conversa fiada, barata, frases para encher chouriços. Força um sorriso, aponta na direcção da cadeira ao seu lado.
- Queres sentar-te?
- Sim, estou com dores nos pés.
Os saltos altos começam a magoar-lhe os pés depois de toda uma noite em cima deles.
- Mas conta lá, que é feito de ti? Estás a trabalhar?
- Mais ou menos.
- Mais ou menos?
- Vou fazendo uns trabalhos soltos por aí.
- E de resto?
- De resto o quê?
- Além do trabalho,conta mais coisas.
- Não há muito a contar.
- Ouvi dizer que tinhas uma namorada nova. Quem é?
- Não tenho. Não era namorada, e acabou antes de começar.
- Sempre fugir para trás das muralhas.
- O mundo está melhor assim.
Ele solta um suspiro ao proferir a última a frase. No fundo, a pergunta dela tocou em coisas que ele não quer relembrar, ecoou no vazio que sente no seu íntimo, acabando por se afogar no mar de culpa que ferve dentro de si. Força-se a sair desse ciclo de pensamento, a distrair-me com algo externo a si.
- E tu? Cheia de gajos atrás, não?
Ela sorri, e ele vê a mágoa atrás do sorriso. A resposta dela é evasiva, defensiva.
- Oh! Tu sabes como é. Quem i porta não vê, e quem vê não se importa...
- Falas como se te fosse difícil seduzir qualquer gajo aqui...
Nova onda de um tristeza abate-se sobre o sorriso forçado dela.
- Podia fazê-lo. Mas... Não sei...
- É como se faltasse algo?
- Realmente, só tu para perceberes...
- De que serve perceber, quando tudo o que me apercebo é do quanto todos sofrem em silêncio...?
O whiskey, quase intocado, desaparece dum trago.
- O que bebes?
- Hum? Não é preciso.
- Não perguntei se era. Perguntei o que bebes.
- Bloody Mary.
Um meio sorriso atravessa o rosto dele por um microsegundo.
- Venho já.
Ele torntorna a afastar-se da mesa com o mesmo andar felino, os olhos de Ângela presos em cada movimento dele. Volta pouco depois, whiskey numa mão, cocktail na outra. Pousa os copos na nessa e retoma o seu lugar, em silêncio. Acende um cigarro e olha o relógio. 3:35. Cedo demais para dormir, tarde demais para beber... Nao vai conseguir mais que uma lev sensação de alívio e uma irritante dor de estômago se tiver azar.
A voz de Ângela arranca-o do silêncio, invoca a sua atenção para longe daquele abismo pessoal onde ele se encontra perdido, devolvendo-o à realidade.
- O que se passa contigo?
- Nada.
- Como nada? Costumavas transbordar energia, alegria. Ultimamente pareces apagado, abatido, preocupado, triste... Não gosto de te ver assim.
- Nao se passa nada d esp3çial. so nao estou contnt com o rumo que a minha vida está a levar.
- Fala. Desabafa. Faz bem, sabias?
- Talvez. Mas eu não quero aborrecer-te com os meus problemas. Eu sobrevivo. Sempre o fiz.
- Sim. Mas quando planeias viver?
Ele não responde. Não há nada a responder, ela tem razão. Há anos que apenas sobrevive, nada mais. Vive um sequência de rotinas, um turbilhão de pequenas coisa quase iguáis que o matam por dentro aos poucos.
- Ângela, porque te preocupas tanto comigo?
- Apenas porque acho que mereces voltar a ser feliz.
- Voltar? Não me lembro de o ter sido.
- Já o foste, nem que por momentos.
- Talvez...
Ela chega-se próximo dele e abraca-o. Ele não reage. Ângela mantém a posição, envolvendo-o num apertado abraço. Ele sente o perfume dela, o calor do seu corpo tão próximo do dele. Deixa cair as defesas por um segundo e devolve-lhe o abraço, colando a face no pescoço dela, embriagado pelo aroma dela. Um momentos, meros segundos, e as defesas voltam. Ele afasta-se, quebrando precocemente o abraço, afastando de si aqueles deliciosos lábios.
- Tens-me em muito mais consideração do que eu mereço.
Olha novamente o relógio.
- Tenho que ir, e isto está a fechar. Queres que te deixe em algum sitio?
- Vais conduzir depois de beber tanto?
- Tanto?
- Sim. Eu vi-te chegar. Vi o que bebeste. Deves ir no sétimo ou oitavo copo. Se ainda sei alguma coisa sobre ti, aposto que não é apenas álcool que tens no sangue. Certo?
- Sim, mas eu não estou de carro. Vou apanhar um táxi, não me importo de fazer um desvio se for preciso.
- Acho que aceito a boleia.
Ele estende-lhe a mão, espera que ela a tome e leva- dali para fora.

***

A luz da manhã entra pela janela do quarto, directamente na face dele. Não consegue dormir, para não variar. As insónias tornaram-se uma constante. Senta-se na cama, tapado apenas com o lençol. Ao seu lado, Ângela embrulhou-se no cobertor, qual casulo de onde irá emergir a mais bela borboleta.
Ele inveja-a. Inveja a simplicidade do mundo dela e a sua forma de lu5ar, mesmo sem armas, contra tudo o que o mundo lhe atira. Inveja a capacidade dela de dormir descansada de sorriso no rosto, como se os seus problemas, se existiam, tivessem sido arrastados para longe pelos orgasmos e pela presença dele. Seria possível?
- É.
A voz existe apenas dento da sua cabeça.
- É verdade. Tu és o que ela deseja, e ela é o que tu precisas. Cumprimentos a tuas ordens e ela continuará a teu lado. Sabes o que deves fazer.
- Estou farto...
- Sempre estiveste. Não tens opção, sabes disso. O contrato ainda não foi cumprido.
- Tu quebraste o contrato.
- Olha para o teu lado, e verás que não. Pediste para ser amado, não para amar.
A voz desaparece, e ele deixa de sentir aquela presença. Levanta-se da cama e dirige-se para a casa de banho, para um bem necessário duche.
Veste uns jeans rasgados, uma t-shirt justa e calça a botas. A gata espera-o na cozinha, aguardando a sua refeição e um carinho. Servge-lhe comidq, mas leva-a ao colo para o quarto. Pousa-a na cama e fica a observar o pequeno animal a aninhar-se junto de Ângela, profundamente adormecida. É a deixa dele. Pega no envelope, coloca os óculos de sol e sai. Não sabe bem porque não fica em casa. Não incomodaria Ângela se ficasse na sala. Mas há coisas a fazer, e ela merece o descanso, e a ignorância inocente da sua própria imagem mental dele. Chega ao café habitual. Café e um shot de aguardente. Pouco passa das 9 da manhã, mas ele precisa acabar com a irritante sensação de ter a cabeça a latejar.
Senta-se, único cliente a está hora da manhã de domingo.
Pousa o envelope na mesa. Não anseia por conhecer o conteúdo. Passaria melhor se não tivesse que o conhecer. Sente um arrepio na espinha ao quebrar o selo.
Dentro do envelope encontra-se uma folha A4 dobrada em 3. Nas letras impressas encontra-se um conjunto de dados. Morada. Número de segurança social. Número de documento de identificação. Um nome... Ele não quer acreditar nos seus olhos ao ler...
Ângela Duarte...
***

domingo, 7 de junho de 2015

Sonhos etereos

Drak
07/06/2015
Domingo. Retorno a casa depois de um mero fim de semana fora. Há já planos para a noite. Não estarei sozinho, apenas só. A solidão e a sua conhecida e melancólica carícia me envolvem, me levam embalado num sono leve e inconstante, melodias de destruição servem de canção de embalar, os graves poderosos a pulsar pelo meu corpo. Vejo fugaz sua imagem, fugidia aos olhos da minha mente, sempre no limiar da minha ensonada e distraída visão interna.
"Que fazes aqui?"
A resposta é uma bela gargalhada de escárnio e nova fuga para longe da minha visão mas não do meu corpo.
Sinto-a a respirar o perfume do meu pescoço e ouço o murmúrio no meu ouvido.
"Estou porque me queres."
"Porque eu quero ou porque tu queres?"
"Ambos?"
"Ha em tua fuga algum simbolismo.De mim, de ti? Que temes?"
"Magoa."
"Não temo."
"Como?"
"Um dia, talvez amanhã, talvez daqui a anos, irei encontrar-te, abraçar-te, e nesses segundos tudo terá valido a pena. Até lá tenho a vida, a passagem dos segundos, o meu livro e o meu vinho."
"Precisas de mim?"
"Não, nem por isso."
"Mas...?"
"Mas quero-te."
"Não faz sentido."
"É isso que o torna em amor. O amor não faz sentido. O amor é ele mesmo o sentido."
"Quem és tu, belo sonhador?"
"Sou velha alma em corpo de menino, deslumbrado pela maravilhosa vida neste recanto do universo. Sou pó de estrela, sou o universo a olhar para si mesmo espantado."
"És estranho."
"Estranho é interessante. Tu és estranha."
"Estranha?"
"Sim. Intrigas-me. Desde o primeiro segundo. Deixas em mim o desejo de mergulhar em teus olhos e voar na tua alma e saborear as tuas memorias e de te entregar uma chave do meu mundo."
"Tanta coisa... gostava que o fizesses."
"Eu também..."
Calo-me, entregue a um silencio repleto de pensamento. Deslizasse para a minha frente e beijas-me as pálpebras. Fecho os olhos e ainda te vejo.
"Se não fosses tão intrigante, não importaria. E porque o és entrego-me ao ciclo do passado e esqueço que já não sou ele. E com receio de magoar não me manifesto. Olho-te pelo canto do olho, sentada contra a parede, esguias e apeteciveis pernas estendidas sobre o sofá, rainha da tua solidão, e resolvo nada dizer. Olho, e compreendo o silencio. E no meu silêncio espero que não vejas o quanto te queria dizer um 'estou aqui'. Mas que te importaria isso? E calado bebo a vodka que me aconchega a quase magoa do desejo de ti, dos teus olhos e da tua alma."
O autocarro para e desperto para longe de ti. Fumo e tento em vão não pensar, combato o desejo de te falar. Eu não faço sentido...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Momentos Perdidos

Espero, aguardo, vejo o tempo passar, lento e tranquilo como apenas o tempo se pode dar ao luxo de o fazer. Quero estrangula-lo, bater-lhe, feri-lo, causar-lhe dor, fazer-lhe seja o que for que o obrigue a apressar-se e a carregar-me de volta ali, ao calor daquele abraço, à simplicidade daquele sorriso.
Uns segundos de paz. Um café quente, um abraço apertado e uma voz que me diga que tudo vai ficar bem. Não interessa se é mentira. Interessa que alguém acredite nisso. Eu... eu não sei se acredito já.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Passagem

Noite gélida de final de ano, aquela mítica noite em que quase todo o planeta sequencialmente irradia em fogos de artificio e promessas vãs de mudar pequenas coisas em si mesmo e no seu redor, álcool e festa. Ele caminha sozinho pelas ruas do bairro alto, pelas onze da noite. Já não é a primeira vez que faz isto neste dia supostamente especial. Ele não liga muito a datas, na verdade. Mas mesmo sem ligar, não consegue não ser arrastado pela aura avassaladora de auto-avaliação... ou auto-comiseração, não consegue ter exactamente a certeza de qual, a linha que as separa, se existe, é ténue demais para ele conseguir diferenciar. O mero facto de reconhecer tal efeito já é algo novo, um progresso, uma pequena e insignificante vitória pessoal que nunca ninguém irá notar, mas que para ele alterou por completo o seu mundo.
Sobe a familiar Atalaia, pára no ultimo bar. Entra, tira o casaco longo de cabedal e pousa-o em cima do balcão. Do outro lado um sorriso surge na cara do barman ao reconhecê-lo. Em tempos ele fora ali uma presença diária. Hoje é um sempre bem-vindo amigo da casa, mas que raramente aparece. Abraça o barman, deseja-lhe um bom ano, pede um café e um shot de vodka. Entra para a sala do fundo com as bebidas, tira um cigarro do maço e lembra-se um momento antes de o acender que já não é permitido fumar aqui. Guarda-o novamente, engole dum trago a vodka e doutro o café. Nem valia a pena ter-se sentado. Levanta-se de volta, leva novamente a chávena e o copo para cima do balcão e acena um adeus ao pegar no casaco. Não demorou mais de cinco minutos dentro do bar, mas não está disposto a ficar ali sentado, sozinho, a olhar o nada.
Desce a rua e vira na direcção da Misericórdia na primeira rua, parando por segundos a meio da outra, uma mão esticada em jeito de cumprimento, escondendo na palma uma nota de 20€. Nota recolhida no cumprimento, recebe de volta um abraço, sente algo a ser colocado no seu bolso direito, segue caminho. Dois amigos a abraçarem-se na passagem de ano. Quem ligaria a tal? E no entanto o gesto escondia imensamente mais.
Apanhou um táxi, seguiu caminho até uma zona diferente da cidade, entrou num outro bar, este escondido na cave de um qualquer edifício. Não costumava ir ali. Não era um cliente regular, mas hoje em dia ele não era cliente regular em local algum. Entrou, deixou-se revistar e passar pelo detector de metais. Não reclamou ao ter que responder que tinha piercings em locais não visíveis, daí o alarme. Desejou um bom ano aos seguranças, mera educação, e entrou. Lá dentro foi recebido pelas ondas possantes dos graves de uma faixa de industrial sua conhecida. Pagou a entrada, largou o casaco no bengaleiro, guardando apenas um par de notas de 20 consigo, a cigarreira e o isqueiro. A pista ainda se encontrava praticamente vazia. Não encheria antes da 1 da manhã provavelmente. Não importava. O que realmente importava era poder ingerir algum veneno, descontrair, tentar não pensar demais. Aqui, o ambiente mais leve, menos cheio de pessoas deixava-o mais calmo, mais solto.
Pediu uma vodka tónica, sem gelo, e ficou encostado a um pilar próximo da pista, olhando o infinito sem ver nada à sua frente. Não estava a pensar em nada também, apenas a sentir a musica mudar à sua volta, e as ondas de som a ecoarem no seu corpo, varrendo-o vezes sem conta. Quase como estar numa praia e sentir as ondas a virem beijar o seu corpo uma por uma.
Despertou dos seus sonhos acordados quando alguém lhe estendeu um copo de pé alto com um liquido leve e borbulhante. Não estava a espera de receber uma bebida. Aliás, ele nem se lembrava que estava ali. Apanhou o copo, esboçou um educado sorriso, sem ter sequer olhado para quem lhe estendia o copo. Virou-se na direcção dela por fim, a rapariga que estava ao balcão.
"Bom ano!" O sorriso aberto naqueles carnudos lábios vermelhos era belo de observar.
"Bom ano..." Ele apenas elevou um dos cantos dos lábios, e tornou a baixar o olhar, sem tocar no espumante.
"Anda brindar com o resto do pessoal, 'tás aí sozinho para quê?"
Ele seguiu-a ate junto do grupo de talvez umas vinte pessoas, entre clientes e empregados, que brindavam ao novo ano, sorrisos nos rostos. Levantou o seu copo, juntou-se por momentos à multidão naquela singela celebração em conjunto, unidos apesar de desconhecidos naquele momento partilhado.
Virou costas à multidão.
Saiu do edifício, puxou um charro já feito, o ultimo, acendeu-o, caminhou por uns metros pela berma da estrada, nenhum destino em especial em mente, caminhando pelo mero prazer de caminhar.
Parou por um segundo, olhou por cima do ombro direito, vendo não a rua deserta, mas o ano que deixava para trás. Os restantes encontravam-se preocupados a efectuar um balanço de tudo o que se passara, mas ele... ele sorriu, deu um passo em frente e perguntou em voz alta no silêncio da noite, lançando o desafio a quem quer que quisesse ouvir:
 - O que se segue?
Não havia muito a analisar. Havia imenso a viver, isso sim.
Terminou de fumar, voltou para dentro. Pediu uma vodka e olhou em volta.
"Tempo de viver..."

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sr Estranho II

Despertei no cadeirão, a lareira há muito apagada. Talvez fosse já manhã. Doía-me a cabeça, como se a apertassem com uma pressão insuportável. Na mesa ao meu lado o copo estava ainda cheio. Peguei nele e emborquei de um único trago todo o seu conteúdo, engolindo sofregamente, nem percebendo bem o sabor acre e férreo até o liquido ter desaparecido pela minha garganta abaixo, provocando-me náuseas, fazendo-me curvar sobre mim mesmo agarrado ao estômago, tentando minimizar o protesto do meu corpo ao tentar rejeitar o liquido morno que eu havia ingerido. Mas a indisposição passou rapidamente, o meu estômago acalmou momentos depois de começar a doer.
A dor de cabeça apenas intensificou, no entanto. Tentei levantar-me, sendo forçado a sentar-me de novo, as minhas pernas falhando sob o peso do meu corpo, vazias de sensação e sem qualquer capacidade de controlo real das mesmas, privadas do correcto fluxo de sangue, provavelmente por demasiado tempo na poltrona adormecido. Esfreguei-as com as mãos durante uns minutos e em seguida tentei de novo, desta vez sendo capaz de me manter em pé, mas não sem alguns protestos dos meus músculos, magoados da noite mal dormida. Caminhei, ou tropecei, até à cozinha, enchi um grande copo com água e bebi-o de seguida, tentando afogar a ressaca. Três meros copos não deviam causar um efeito tão destrutivo. Que raios havia eu bebido afinal?
Pela reacção adversa de há pouco, duvidava que o meu estômago fosse ficar muito feliz por receber comida, portanto resolvi explorar o andar de cima da mansão. Talvez conseguisse uma ou duas respostas. Algo simples, como onde estou, ou outra coisa pequena a que me pudesse agarrar.
Subi as escadas de madeira pesada, com um aspecto antigo, cobertas de uma passadeira presa aos degraus por barras do que aparentava ser cobre ou bronze, sob constantes rangidos de protesto a cada degrau que subia, protestos da casa ao sentir o seu sossego e paz perturbados por um estranho sem memória de si.
O topo das escadas terminava no inicio de um corredor com duas portas de cada lado, todas fechadas, pelo menos à primeira vista. Abri a primeira do lado esquerdo, revelando uma casa de banho bem cuidada, em tons de rosa, modesta mas agradável à vista apesar da escolha de cor. Mas dado que o que no meu sistema digestivo insistia em resmungar era o estômago, não os intestinos, rapidamente perdi o interesse na divisória e segui para a primeira porta do lado direito.
Do outro lado da mesma encontrava-se um pequeno escritório com uma secretária de madeira, grande e trabalhada, que deveria valer uma pequena fortuna para o comprador certo, com uma poltrona em pele semelhante à da biblioteca do piso inferior servindo-lhe de companheira. Em cima da secretária estavam espalhados vários livros, com ar de terem sido consultados recentemente, dois deles ainda abertos e com páginas marcadas por pequenos envelopes. Dirigi-me à poltrona e sentei-me. À minha frente a secretária parecia estar com todos os livros dispostos ao alcance dos braços, pelo menos para alguém da minha estatura. Ao meu lado direito havia uma série de pequenas gavetas, cinco no total, embutidas na estrutura da secretária. Comecei, meio por curiosidade, meio por tédio, a abri-las uma por uma, analisando os seus conteúdos.
A primeira continha duas facas de abrir envelopes, parecendo feitas de prata, com cabo em osso, e por baixo delas uma pilha de envelopes fechados, sem qualquer endereço escrito. Tirei um deles ao acaso. Estava fechado. Deveria abri-lo? Era o do fundo da pilha. Tirei-o para fora da gaveta, coloquei-o em cima do tampo da secretária e peguei uma das facas, usei-a para abrir o envelope. Dentro dele estava uma página manuscrita numa caligrafia difícil de perceber, como se escrita à pressa, como se a mente do autor fugisse e a mão corresse para conseguir acompanhar o ritmo do seu pensamento. Demorei a conseguir decifrar algumas das palavras, mas não foi demasiado complicado tirar uma ideia geral do texto, mesmo quando algumas palavras se tornavam indecifráveis na pressa da escrita.

"10 de Fevereiro de 2012.
A mudança correu bem, se bem que organizar todos os livros correctamente sozinho demorou-me os últimos dois dias, trabalho moroso e entediante, mas imensamente necessário para o normal fluxo da continuidade do meu trabalho.
Ainda irá demorar quase uma semana a ter disponível o laboratório e a cave. Fruto do secretismo necessário. Afinal de contas, a aquisição deste local deveu-se precisamente à minha necessidade de isolamento e de distancia de olhares demasiado curiosos. Os fins justificarão os meios. Por agora há trabalho a fazer."

Algo naquela curta mensagem me despertou a atenção. Talvez a mistura entre uma banal página de um normalíssimo diário e a menção de segredos por desvendar, ou talvez a minha mente a procura de uma resposta que não lhe interessava para nada, mas cuja pergunta poderia mantê-la ocupada e longe de outras perguntas mais relevantes mas igualmente sem resposta que pairavam no limiar da minha consciência.
Resolvi no momento abrir as restantes, tentar encadear aquela pilha de mais de 30 envelopes por ordem de data, tentar encontrar uma resposta qualquer. Demoraria quase uma hora a fazê-lo, e perderia mais duas a ler e reler cada um deles...
Realmente parecia ser um diário, mas um que levantava mais questões que aquelas a que respondia.

Olá?

Fico a olhar o pequeno rectângulo com a bola verde no topo seguida do teu nome, olho para baixo e bato com os dedos nas teclas formando um "olá" demasiado curto mas que se prende ali, naquela linha destinada a escrever a mensagem que quero que recebas do outro lado da cidade ou do mundo, confirmação que não precisas de que penso em ti.
Mas que te digo depois? Sigo a atabalhoada conversa de circunstancia? Nunca tive jeito para essas coisas. Mas não tenho assunto, tu tens a tua vida e seria inoportuno da minha parte bisbilhotar aqueles pormenores que mais gostava de saber, fazer as perguntas às quais não quero a resposta. Falar de mim? Podia fazê-lo. Ontem trabalhei. Cheguei a casa. Jantei. Dormi. Ante-ontem também. Amanhã também. Não me parece muito interessante de contar...
Encontrei o Necronomicon e voltei a falar a algumas pessoas que não via há anos. Mudei de visual. Sei que ias gostar de me ver assim, mesmo sem vires a ver-me com ele. Apanhei livros novos. Continuo a jogar às cartas. Parece-me tão... insípido.
E nestes pensamentos olho um olá escrito mas não enviado e pergunto-me se vale a pena enviá-lo sequer... Não irias responder, ocupada na tua vida, na tua rotina, na tua liberdade. Encontrarias um minuto, muito mais tarde para dizer "Desculpa, só vi agora." e seguirias a tua vida de consciência tranquila sem pensar duas vezes.
Ou então, pior cenário ainda, responderias e teria que inventar um qualquer motivo plausível para te estar a chatear, escondendo que o verdadeiro motivo é a saudade de ti e a ferida que não sarou nem vai jamais sarar que me faz buscar a única cura possível para ela, o único elixir miraculoso capaz de apagar de mim esta ferida de uma ausência eterna e irreparável, e teria que ter uma "conversa-normal-sobre-o-tempo-e-a-bola-e-as-greves..."
Odeio conversas normais.
Odeio não poder berrar a plenos pulmões a tempestade que me envolve a alma.
E no fundo nada odeio...

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Sr Estranho

A latejante e aguda dor na nuca acordou-me de um atormentado sono repleto de fugazes imagens de indescritíveis horrores e abomináveis sombras que me perseguiam por um qualquer pântano sem nome.
Levei a mão à nuca, sentindo o liquido morno que a cobria. Sangue. Apercebi-me ao olhar a minha mão, coberta daquele liquido vermelho vivo. Ferido. Como? Onde?
Não sabia, não conseguia recordar. Não conseguia lembrar-me de nada. Nome, idade, aspecto físico... sentia-me como se me tivessem roubado de mim mesmo. Afinal de contas, o que é um homem sem a sua memória? Sem saber de onde vim, como poderia saber para onde vou?
O meu instinto de sobrevivência sobrepôs-se, no entanto, a todas estas questões. Olhei finalmente em volta, tentando perceber onde estava.
Árvores. Arbustos. Um coelho que corria apressado na direcção de um monte de pedras onde provavelmente teria a sua toca, evocando na minha mente a frase "conejo estupido, conejo malo", vinda de algum ponto da minha mente. Nada disto ajudava. Acordei no meio de um bosque, sem memoria e com sangue a escorrer pela nuca. Doía só de tentar pensar na minha situação actual. O pânico de não saber como vim parar aqui começava a tomar conta de mim, a adrenalina a correr nas minhas veias, o instinto, aquele velho companheiro animal, o "bate ou foge" a tomar conta. Excepto que não havia nada onde bater, não havia um sitio para onde fugir. Fugir de quê exactamente? O que quer que tivesse causado a pancada na nuca, se me quisesse matar, teve essa oportunidade. Era pelo menos uma preocupação imediata retirada. Mas e se não o quisesse fazer? E se quisesse torturar-me? E se...
Tentei parar com a especulação, aquela auto-estrada cujo destino é a loucura.
Precisava de procurar uma forma de estancar qualquer ferida, precisava pelo menos de primeiros socorros e de me localizar no tempo e no espaço. Era um plano, tão bom quanto qualquer outro que alguém sem memória, perdido e ferido podia conjurar. Tentei localizar o Sol através das copas das árvores, uma tentativa de conseguir perceber pelo menos que horas seriam, quanto tempo de luz ainda teria, mas sem sucesso. A copa cerrada impedia-me de conseguir identificar a posição. Não me recordava de nada sobre sobrevivência. Teria algum dia sabido algo sobre tal? Noções, truques... fosse o que fosse. Nada.
Escolhi aleatoriamente uma direcção e caminhei por entre a vegetação cerrada, a custo, um progresso lento entre caminhar e tropeçar nos galhos, pedras e simples alterações no terreno ocultas pelas plantas. Que raios fazia eu no meio de um bosque, sequer?
Caminhei durante o que me pareceram horas, pela minha percepção toldada da realidade, afectada pelo excesso de adrenalina e pela minha própria desorientação espacial e temporal, até que a vegetação começou finalmente a ceder, revelando um pequeno trilho, provavelmente usado por animais, completamente esquecido pela humanidade. Segui-o durante mais umas centenas de passos, chegando por fim até à margem de uma albufeira cuja parede parecia ter séculos, deteriorada, coberta de musgo, com pedras soltas. Finalmente livre da copa das árvores, olhei por fim o sol que descia no fundo do horizonte, raiando de vermelhos e rosas o céu, invocando na minha mente a imagem de um inferno pessoal demasiado familiar e no entanto cuja origem eu não conseguia identificar por mais que tentasse, também ele roubado junto com o restante da minha memória. Tudo o que sentia era uma inquieta familiaridade com aquela imagem, e um sentimento de desassossego interno ao ser absorvido por aquele cenário que muitos diriam ser idílico. Com medo de um pôr-do-sol... quão mais fundo iria eu bater ainda?
Olhei em volta, tentando encontrar através do horizonte agora mais desimpedido um qualquer vislumbre de civilização na qual pudesse refugiar-me.
Ao fundo, do outro lado do lago artificial, talvez à distância de uns dois quilómetros, conseguia vislumbrar o topo do que parecia uma torre de igreja, escondida atrás de uma colina. Talvez houvesse algo próximo da mesma, uma casa, uma aldeia, um qualquer sinal de civilização que acolhesse um estranho perdido e sem memória de si mesmo durante uma noite. Talvez até conseguisse um prato de comida, pois o meu estômago começava a doer de fome, urrando em protesto por não ser alimentado desde nem eu sabia quando.
Forcei-me a caminhar, usando como ponte a decrepita parede que servia de barragem ao curso da ribeira, quase caindo por duas vezes antes de chegar ao outro lado. Segui mais por teimosia que por real força física, determinado a chegar perto daquela torre antes de tentar descansar. Precisava continuar antes que as forças me faltassem, antes que algo me apanhasse e me dilacerasse, me atirasse para um inferno maior que aquele em que me encontrava.
O caminho foi longo e penoso, cada passo cada vez mais difícil, as forças a abandonarem o meu corpo a cada movimento, reduzindo-me a caminhar por pura força de vontade mais que por qualquer outro motivo. Quando cheguei finalmente ao topo da colina que havia visto à distancia, a esperança abandonou-me por completo. Lá em baixo não havia qualquer sinal de que alguém habitasse aquele local há imenso tempo, o edifício cuja torre eu pensara ser de uma igreja era na verdade uma antiga casa senhorial em estilo neo-colonial, com uma torre no canto este do palacete, rodeado de um muro com cerca de dois metros de altura que rodeava toda a propriedade. Não havia qualquer iluminação na mesma e as paredes encontravam-se cobertas de heras que aproveitavam as paredes do edifício para trepar na direcção da luz do sol, para elas essencial à sua sobrevivência. Desci desanimado a colina, dei a volta ao muro em busca de uma entrada. Poderia ao menos abrigar-me durante a noite, pensei. Ao menos poderia ter um mínimo de protecção dos elementos. Do lado oposto aquele de onde eu viera encontrei um portão de ferro ferrugento, entreaberto, também ele consumido pelas heras que tomaram conta das paredes do edifício, e aparentemente de todo o lado interior do muro que eu conseguia ver. À minha frente estendia-se um caminho de terra batida que de alguma forma continuava a resistir ao avanço da vegetação, ladeado por o que em tempos fora um jardim, que agora não passava de um emaranhado de diversas espécies de plantas que se debatiam umas contra as outras por um pouco de luz. A uns vinte metros do portão o caminho terminava em frente de uma pesada porta dupla de madeira sólida, negra, intrinsecamente trabalhada. Caminhei até ela, seguindo o estreito carreiro pelo meio do matagal que substituíra o jardim. Um arrepio percorreu-me a espinha ao esticar a mão para bater na porta, tentando sem esperança que alguém pudesse abrir-me a porta. A casa parecia desabitada, abandonada aos elementos, apesar de se manter estruturalmente sólida, a falta de cuidados parecia indicar que estaria abandonada há vários anos. talvez décadas. Apenas a força dos materiais e a ingenuidade dos construtores pareciam fazer com que a mansão se mantivesse em pé.
Dei três fortes batidas na porta e ouvi o eco das mesmas dentro da mansão, seguido de um sepulcral silêncio. Só agora reparara que não parecia haver qualquer som no ar além dos provocados por mim mesmo. Nem mesmo o vento corria dentro dos muros. À minha volta tudo se encontrava em total estagnação, sem um movimento ou som produzido. Para a minha mente já bastante desassossegada esta percepção causou mais uma explosão de interrogações sem resposta à vista, baseadas nas minhas próprias sensações. Não sabia exactamente como agir, o que fazer, e a perda da minha memória não me ajudava a encontrar calma. Bati novamente, por mero descargo de consciência, antes de testar a pesada maçaneta de bronze. Destrancada. A porta abriu, produzindo um protestante ranger ao sentir a sua inercia perturbada, sem no entanto me levantar mais entraves à entrada na casa.
A porta abriu para um escuro hall de entrada, e os meus olhos demoraram alguns momentos a conseguirem distinguir formas dentro da escuridão cerrada. Do pouco que eu conseguia distinguir, o hall continha um móvel à minha esquerda, uma espécie de cómoda, sobre a qual se encontravam alguns livros cujos títulos eu não conseguia ler devido a escuridão.
Instintivamente, coloquei a mão ao bolso das calças e tirei um isqueiro que não tinha reparado que tinha. Acendi-o, e pude finalmente observar o hall, parcamente iluminado ainda assim, mas pelo menos já não me encontrava na escuridão cerrada. O local parecia bem cuidado, contrariamente ao que o seu exterior dava a entender. Alguns livros em cima da cómoda, um candelabro por cima da minha cabeça, um interruptor à minha esquerda, logo ao lado da ombreira da porta. Testei-o, e fiquei surpreso por o candelabro se iluminar. Realmente eu estava a espera que o local estivesse abandonado, e fui apanhado de surpresa pela revelação de que este possuía luz eléctrica a funcionar.
A revelação atiçou a minha curiosidade, deu-me um propósito imediato. Explorar esta estranha mansão no meio do nada parecia-me uma ideia quase boa, apesar de algo no fundo da minha mente me implorar para não o fazer. Ignorei obviamente o conselho. Afinal de contas, havia encontrado no mínimo um tecto sob o qual passar a noite. Os roncos do meu estômago incentivaram-me ainda mais a procurar algo comestível que apaziguasse a fome. Estava em modo de sobrevivência básica. Precisava tratar de mim antes de me poder preocupar com coisas como a minha memória ou o porquê de ter despertado no meio de nenhures.
Caminhei pelo andar inferior, descobrindo uma biblioteca enorme de um dos lados da casa, e uma cozinha bem apetrechada, de estilo antigo, do outro. Ao centro, uma escadaria em madeira polida abria-se para o primeiro andar, mesmo em frente da porta de entrada. Encontrei pão, vinho e alguns queijos na cozinha. Apanhei dois deles, uma garrafa de vinho e um pedaço de pão, levando-os comigo para a biblioteca.
Sentei-me numa poltrona em pele negra, puxei a mesa de café do centro da divisão para o lado da poltrona, e fiquei sentado a olhar a lareira apagada, sob a luz de um trabalhado candelabro de cristal antigo, requintado. Este lugar parecia estranho, com uma aura familiar de desassossego e abrigo.
As paredes da divisão encontravam-se cobertas de estantes, cheias de livros de diversos tamanhos, alguns deles com aspecto bastante antigo, sendo a única parede de excepção aquela em que se encontrava a lareira, ao lado da qual existia um largo cesto com lenha para a alimentar, bem como uma pequena pá para a cinza e uma tenaz.
Tomei dum golo um copo de vinho e tornei a encher o copo, pegando em seguida no queijo. Comi, ou melhor, devorei o queijo sem tocar no pão, empurrando-o para baixo com mais dois copos de vinho. Só depois disso me consegui concentrar em algo mais que a fome e o cansaço, cansaço este que persistia e me ia roubando o controlo dos músculos das pernas, demasiado cansadas para obedecer. No entanto, elas mesmas seguiram caminho até à porta, fechando-a e trancando-a com a chave presente na parte de dentro da fechadura. Voltei em seguida à biblioteca, acendi a lareira, em piloto automático. Casa estranha no meio do nada? O meu corpo e mente não pareciam processar esse facto, e era assim que me sentia, expectador de mim mesmo, observando as chamas a surgirem dos esforços das minhas mãos.
Voltei a sentar-me na poltrona. Devem ter passado meros minutos até adormecer.