quinta-feira, 13 de junho de 2013

Recomeçar.


Está no trabalho, mas não consegue concentrar-se. Aquela mensagem ainda o atormenta.
Que poderiam querer dele? Que tem ele de tão especial para que esta situação esteja a ocorrer consigo?
Não é rico, não tem acessos ou informações e as suas habilidades são normalmente menospresadas como excentricidade sua. A sua posição na empresa não é alta o suficiente para o chantagearem ou ameaçarem.
Não encontra, por mais que procure, um motivo para esta situação e isso deixa-o perdido.
Não consegue concentrar-se, mas felizmente deixou tudo bastante adiantado ontem.
As horas passam lentamente, em contagem decrescente para o final da sua segurança.
Mas e o miudo? Estará seguro? Estará bem?
Acaba por começar a ler relatorios, eentualmente embrenhando-se na analise em mãos, mas do fundo da sua mente continua a sentir o desespero de não saber como resoler esta situação.
Como se não bastasse, sente-se hiperactivo. Não consegue parar quieto. Não devia ter tomado os 300mg de venlafaxina de manhã.
A sua hora de refeição é passada na sala, lendo um livro. Não vai sair. O medo toma conta dele, não por ele, mas pelo pequeno.
Quando e como chegariam as instruções?
A noite passa calma e sem acontecimentos estranhos.
Acorda cedo, na cama, umas 8:30 a manhã, o hábito de colocar o despertador para aquela hora apanhado recentemente com a sua companheira mais recente.
Desliga o despertador e olha para o lado, a sua ex-noiva adormecida na outra ponta da cama, face virada para ele, completamente inconsciente de que ele a observa.
Levanta-se com um suspiro e veste a primeira muda de roupa que encontra.
Toma um comprimido de venlafaxina e faz café.
É cedo. Demasiado cedo para estar acordado e entregue aos seus pensamentos.
Coloca uma das suas listas de musica, sem sequer ver em qual, reprodução aleatória, e pega no livro que anda a ler. Lasher, de Anne Rice. Lê umas cinco paginas, imerso naquele mundo fantastico, quando a sua atenção é presa por uma frase da musica: “Its in the water baby, it's in the special way we fuck.”
Saudade. Faz uma semana que resolveu, talvez erradamente, devolver as chaves de casa daquela que ele gostava que fosse o seu futuro.
Fica a ponderar a ultima semana.
Se não tivesse entregue as chaves, no domingo passado teria seguido um caminho diferente, e talvez aquele rapto ao tivesse acontecido e o seu filho não estaria a ser ameaçado e ele não seria escravo da vontade de um mestre invisivel com uma agenda secreta.
Durante a semana que passou viu-a apenas durante umas duas horas, no dia anterior. Ela está zangada, ou chateada, ou desiludida. Não consegue perceber qual, mas sente a sua distancia, a sua agressividade nas palavras, sempre escolhidas de forma a não deixar transparecer a mesma, mas ele consegue senti-la.
Talvez tenha feito a escolha errada, mas fê-la pelos motivos certos. Tanta coisa está a acontecer ao mesmo tempo.
A sua vida está do avesso e os esforços dele para a concertar não estão a dar grandes frutos.
Vai ter com ela ao trabalho dela, bebe um café sentado na esplanada. Fuma e lê.
Nem um toque. Tenta confirmar o convite para jantar no dia seguinte, e recebe uma gargalhada sarcastica de volta. Recusado.
“Que esperavas? Fizeste merda. Magoaste-a. Mereces a frieza e a recusa.”
Esgota o tempo até entrar ao trabalho a ler.
Vai despedir-se dela. Palavras, mãos dadas. Não pode beija-la, está no local de trabalho dela.
Ele acaricia suavemente a face dela, desde o cabelo até ao queixo que segura entre o polegar e o indicador. Um sorriso doce espalhado na face dela.
Tem que ir. Há trabalho a fazer.
Ridiculamente sopra-lhe um beijo antes de atravessar a porta.
Coloca os oculos de sol, acende um cigarro e dirige-se ao comboio. Daqui a 11 horas estará novamente em casa, se não houver precalços ou surpresas pelo caminho.
Sente-se triste, mesmo sob o efeito de anti-depressivos. Triste por continuar a magoar pessoas, apesar de não o suportar mais. Triste por cada vez mais chegar à conclusão que deveria ficar simplesmente sozinho, que essa é a escolha certa para que deixe de se preocupar se consegue evitar causar mais estragos. Já tem sangue suficiente as mãos...
Chega ao trabalho e força-se a esquecer tudo o que se passa lá fora. É demasiado importante para que se permita cometer erros. E o seu emprego é aquilo uqe lhe permite manter-se na capital. Sem ele, seria forçado a regressar para “os confins do inferno” como ele costuma dizer sem sentir.
Esquece e trabalha... deixa que o trabalho seja a sua salvação...”
Sozinho, dias depois de ela ter saido de casa, a vida dele ainda está em recuperação. A chantagem não esquecida, colocada de lado pois as instruções haviam sido entregues de forma pacifica, uma simples carta datilografada dentro de um envelope branco sem nada escrito, na sua caixa de correio, o poder do agressor mais que provado naqueles dois encontros. Afinal, há algo a oferecer. Ele pergunta-se o porquê de todo o drama. Tivessem apresentado a proposta e ele teria aceitado só pelo desafio da questão. Não, há outras coisas a tratar de momento.
Tem toda uma casa para transformar no seu refugio, no seu palácio pessoal. Tem a si mesmo para reerguer e curar, tem decisões dificeis a tomar.
Por tudo, depois de tudo, este deve ser o ponto mais complicado da sua vida.
E ele nunca se sentiu tão vivo antes.
O desafio, a ameaça à sua sobrevivencia, o viver no limiar do precipicio.
Sente-se vivo, e cheio de energia, e cheio de raiva que precisa ser liberta.
“O primeiro dia do resto da tua vida”. Por mais abusada que a cliché frase seja, a sua verdade inerente é inegavel. É o primeiro dos restantes. É hora de mudar de rumo.
“Vive. Pessoas fracas vingam-se, pessoas fortes perdoam, pessoas inteligentes ignoram. Sê tu, ignora”.

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