Está no trabalho, mas não
consegue concentrar-se. Aquela mensagem ainda o atormenta.
Que poderiam querer dele?
Que tem ele de tão especial para que esta situação esteja a
ocorrer consigo?
Não é rico, não tem
acessos ou informações e as suas habilidades são normalmente
menospresadas como excentricidade sua. A sua posição na empresa não
é alta o suficiente para o chantagearem ou ameaçarem.
Não encontra, por mais
que procure, um motivo para esta situação e isso deixa-o perdido.
Não consegue
concentrar-se, mas felizmente deixou tudo bastante adiantado ontem.
As horas passam
lentamente, em contagem decrescente para o final da sua segurança.
Mas e o miudo? Estará
seguro? Estará bem?
Acaba por começar a ler
relatorios, eentualmente embrenhando-se na analise em mãos, mas do
fundo da sua mente continua a sentir o desespero de não saber como
resoler esta situação.
Como se não bastasse,
sente-se hiperactivo. Não consegue parar quieto. Não devia ter
tomado os 300mg de venlafaxina de manhã.
…
A sua hora de refeição é
passada na sala, lendo um livro. Não vai sair. O medo toma conta
dele, não por ele, mas pelo pequeno.
Quando e como chegariam as
instruções?
…
A noite passa calma e sem
acontecimentos estranhos.
Acorda cedo, na cama, umas
8:30 a manhã, o hábito de colocar o despertador para aquela hora
apanhado recentemente com a sua companheira mais recente.
Desliga o despertador e
olha para o lado, a sua ex-noiva adormecida na outra ponta da cama,
face virada para ele, completamente inconsciente de que ele a
observa.
Levanta-se com um suspiro
e veste a primeira muda de roupa que encontra.
Toma um comprimido de
venlafaxina e faz café.
É cedo. Demasiado cedo
para estar acordado e entregue aos seus pensamentos.
Coloca uma das suas listas
de musica, sem sequer ver em qual, reprodução aleatória, e pega no
livro que anda a ler. Lasher, de Anne Rice. Lê umas cinco paginas,
imerso naquele mundo fantastico, quando a sua atenção é presa por
uma frase da musica: “Its in the water baby, it's in the special
way we fuck.”
Saudade. Faz uma semana
que resolveu, talvez erradamente, devolver as chaves de casa daquela
que ele gostava que fosse o seu futuro.
Fica a ponderar a ultima
semana.
Se não tivesse entregue
as chaves, no domingo passado teria seguido um caminho diferente, e
talvez aquele rapto ao tivesse acontecido e o seu filho não estaria
a ser ameaçado e ele não seria escravo da vontade de um mestre
invisivel com uma agenda secreta.
Durante a semana que
passou viu-a apenas durante umas duas horas, no dia anterior. Ela
está zangada, ou chateada, ou desiludida. Não consegue perceber
qual, mas sente a sua distancia, a sua agressividade nas palavras,
sempre escolhidas de forma a não deixar transparecer a mesma, mas
ele consegue senti-la.
Talvez tenha feito a
escolha errada, mas fê-la pelos motivos certos. Tanta coisa está a
acontecer ao mesmo tempo.
A sua vida está do avesso
e os esforços dele para a concertar não estão a dar grandes
frutos.
Vai ter com ela ao
trabalho dela, bebe um café sentado na esplanada. Fuma e lê.
Nem um toque. Tenta
confirmar o convite para jantar no dia seguinte, e recebe uma
gargalhada sarcastica de volta. Recusado.
“Que esperavas? Fizeste
merda. Magoaste-a. Mereces a frieza e a recusa.”
Esgota o tempo até entrar
ao trabalho a ler.
Vai despedir-se dela.
Palavras, mãos dadas. Não pode beija-la, está no local de trabalho
dela.
Ele acaricia suavemente a
face dela, desde o cabelo até ao queixo que segura entre o polegar e
o indicador. Um sorriso doce espalhado na face dela.
Tem que ir. Há trabalho a
fazer.
Ridiculamente sopra-lhe um
beijo antes de atravessar a porta.
Coloca os oculos de sol,
acende um cigarro e dirige-se ao comboio. Daqui a 11 horas estará
novamente em casa, se não houver precalços ou surpresas pelo
caminho.
Sente-se triste, mesmo sob
o efeito de anti-depressivos. Triste por continuar a magoar pessoas,
apesar de não o suportar mais. Triste por cada vez mais chegar à
conclusão que deveria ficar simplesmente sozinho, que essa é a
escolha certa para que deixe de se preocupar se consegue evitar
causar mais estragos. Já tem sangue suficiente as mãos...
Chega ao trabalho e
força-se a esquecer tudo o que se passa lá fora. É demasiado
importante para que se permita cometer erros. E o seu emprego é
aquilo uqe lhe permite manter-se na capital. Sem ele, seria forçado
a regressar para “os confins do inferno” como ele costuma dizer
sem sentir.
Esquece e trabalha...
deixa que o trabalho seja a sua salvação...”
…
Sozinho, dias depois de
ela ter saido de casa, a vida dele ainda está em recuperação. A
chantagem não esquecida, colocada de lado pois as instruções
haviam sido entregues de forma pacifica, uma simples carta
datilografada dentro de um envelope branco sem nada escrito, na sua
caixa de correio, o poder do agressor mais que provado naqueles dois
encontros. Afinal, há algo a oferecer. Ele pergunta-se o porquê de
todo o drama. Tivessem apresentado a proposta e ele teria aceitado só
pelo desafio da questão. Não, há outras coisas a tratar de
momento.
Tem toda uma casa para
transformar no seu refugio, no seu palácio pessoal. Tem a si mesmo
para reerguer e curar, tem decisões dificeis a tomar.
Por tudo, depois de tudo,
este deve ser o ponto mais complicado da sua vida.
E ele nunca se sentiu tão
vivo antes.
O desafio, a ameaça à
sua sobrevivencia, o viver no limiar do precipicio.
Sente-se vivo, e cheio de
energia, e cheio de raiva que precisa ser liberta.
“O primeiro dia do resto
da tua vida”. Por mais abusada que a cliché frase seja, a sua
verdade inerente é inegavel. É o primeiro dos restantes. É hora de
mudar de rumo.
“Vive. Pessoas fracas
vingam-se, pessoas fortes perdoam, pessoas inteligentes ignoram. Sê
tu, ignora”.
…
Sem comentários:
Enviar um comentário