Era tão pequena que ninguém reparou nela. Uma pequena racha com apenas
alguns milímetros. Não podia ser importante. Não chamava a atenção.
Mas
cresceu à medida que o peso que o pilar suportava aumentava de dia
para dia, de hora para hora. Imperceptível a olho nu, escapou-se de
qualquer exame minucioso. Não havia necessidade, afinal, tudo parecia
estar bem.
Até que corrompeu toda a estrutura. Qual vírus
desconhecido propagou-se invisível. Propagou-se sem causar estragos. Até
que se activou. Até que um pequeno pedaço apanhado entre duas das
ramificações se escapou e caiu, levando consigo todo o resto do pilar
principal. Sem a sua base, a estrutura ruiu. Desfez-se em ruínas e pó
numa implosão inaudível. Não havia ninguém por perto para a ouvir. Como
de costume, toda a gente estava demasiado ocupada com algo supostamente
importante para reparar.
Procuraram depois, a intervalos de tempo
irregulares, conforme a necessidade de apoio daquele templo onde tudo
parecia sempre tão perfeito, e no lugar do seu paraíso encontraram uma
pilha de pó e pedras quebradas sobre o jardim da mágoa. O seu refugio
havia sido destruído por algo que nunca ninguém chegaria a perceber. As
mudas ruínas levaram consigo as palavras doces inscritas nas paredes,
tornando-as ilegíveis e indecifráveis. As ruínas sangravam pó de rubi
outrora incrustados nos pilares.
Tristeza, melancolia e quase
indiferença eram as reacções comuns nos supostos peregrinos. A palavra
não se espalhou. Os fieis choraram em silencio a sua falta de atenção,
enquanto os opositores se regozijavam na ilusão de que algo esquecido
que tivessem feito pudesse ter levado à queda do templo.
Mas apenas
uma alma perdida sabia a verdadeira história. Um corpo que assistira de
dentro à implosão, consumido pela infecção que ninguém detectou,
deixando para trás uma alma condenada a relembrar sem nunca poder
partilhar com ninguém a queda do templo.
Uma alma que observou fieis e infiéis, incapacitada de intervir, consumida pela fúria, o ódio e a mágoa...
Condenada
a apontar o dedo em silencio do fundo dos sonhos mais negros ao
responsável pela rachadura original. Condenada a ser ignorada como um
fragmento da imaginação descontrolada de alguém que dorme
profundamente... Condenada a esperar que alguém alguma vez aprenda a ler
o seu silencio forçado... A esperar que alguém aprenda as palavras
mágicas para o quebrar, para finalmente poder partilhar as razões por
todos os outros desconhecidas para a queda do antigo templo que continha
no seu seio o jardim da mágoa.
Com o tempo até ela esquecerá... e a
eternidade é bastante tempo para poder esquecer... Talvez no
esquecimento encontre a sua paz final...
A eternidade o dirá...
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