Não sabe bem o porquê, mas sente-se preso, como um animal selvagem recem-capturado numa jaula demasiado pequena para esticar os membros.
Sabe não ter motivos para se sentir assim, ou pelo menos tudo lhe indica que não, mas o sentimento prevalece.
Procura refugio num daqueles recantos perdidos onde o sol jamais brilha seja qual for a hora do dia, onde o fumo e o cheiro a café e alcool incendeiam as narinas, onde ninguém excepto a
pessoa que se encontra atrás do balcão o conhece, e mesmo essa apenas de vista e das poucas simpaticas palavras dos seus pedidos.
Pede um café duplo, chávena quente, cheio e senta-se na mesa do canto. Tira o pesado casaco de cabedal e acende um cigarro, segurando durante longos segundos o fumo do primeiro bafo
dentro dos pulmões, soltando-o em um longo bafo. Bebe o café sem açucar. Precisa de algo mais. Precisa de um sinal, pensa. De uma luz, algo que aponte o caminho.
Claro que ele sabe qual é o seu caminho. Tem uma promissora carreira pela frente, e é esse o caminho que deve seguir. Mas e o resto? Tudo o resto? A sua carreira é a unica coisa
relativamente estável. Só naquele mundo misterioso e alheio, nas traseiras do mundo das comunicações, trabalhando nas sombras para que tudo funcione.
Reconhecimento? Todo o reconhecimento que procura é-lhe dado. Precisa de férias? Quando? Quer mudar de folgas? Para quais?
Precisam dele, precisam da forma como ele funciona. A forma rapida, a evolução constante, as soluções praticas e realizaveis de alguem com os pés bem assentes na terra, aliadas à
audacia de pensar de forma diferente e da coragem de seguir as suas decisões.
Implementou projectos que alteraram em meses a forma como as coisas funcionam dentro da sua area.
Acompanha os casos mais importantes, trata aquilo que apenas uma muito reduzida minoria se atreve a pegar.
É importante ali.
E tudo o resto é vazio.
Costumava pensar que a dor imensa que costumava sentir era penosa, mas a verdade é que o vazio lhe pesa bastante mais que a dor. Preferia a dor, ao menos existia uma indicação de que
algo se passava. De que havia vida. Agora? Sabe que respira. Sabe que eventualmente sente fome. Vida? Não. Sobrevivencia. Ele sobrevive porque continua a ser demasiado teimoso para
parar de o fazer. Mas falta-lhe algo que preencha o vazio.
E enquanto estes pensamentos lhe atravessam a mente, efemeros e frageis como o fumo do seu cigarro, entra no local um grupo de mulheres. Jovens. A sua idade, no maximo. Provavelmente
menos. Uma delas parece reparar nele no canto, fumando em silencio enquanto termina o café.
Ele olha finalmente, directamente nos olhos dela, e ali a prende pelo que parece uma eternidade para ela, mas que na verdade não terão sido mais de uns dez segundos. Ela sentia a
intensidade do olhar, fixo, directo nos seus olhos, como se tentasse ler a sua alma.
E ao quebrar o misterioso e hipnotico olhar, ele sorri e faz-lhe sinal para se sentar.
Talvez haja um pouco do vazio que possa ser preenchido, ou pelo menos temporariamente afastado.
"Olá, o meu nome é Chainer, e o seu, qual é?"
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