quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Pesquisas e Relações

A rotina estabelecida entre Diogo e John após a entrada no clube funcionava dentro de um padrão de complacente aceitação, misturando nas conversas e silêncios partilhados um misto de teoria informática, as suas vidas, música, filosofia, fúteis e sarcásticas observações da realidade imediatamente perceptível.
Ao contrário de Diogo, que apenas recentemente começara a explorar aquilo que compunha a informática que o utilizador comum ignorava no dia-a-dia, John começara a fazê-lo aos 10 anos. Foi ao longo do tempo aprendendo e limando arestas, procurando novas e melhores técnicas de programação, tentando pouco a pouco infundir consciência no seu trabalho.
Partilhavam o fascínio por aquele mundo de abstrata lógica, no qual a sua diferença, tão evidente no mundo físico, desaparecia atrás do anonimato providenciado pelo ciberespaço. Cá fora, a sua inteligência e a sua excentricidade eram olhadas de lado, toleradas nos dias menos maus, activamente exposta como negativa nos dias piores. No ciberespaço, essas mesmas características eram as suas vantagens, reconhecidas por outros indivíduos sem face que partilhavam com eles ideais e desejos e paixões. Enquanto no mundo fisico só se tinham um ao outro, ali encontravam uma miríade de outros que com eles partilhavam o tédio da existência  a paixão pela descoberta.
Durante o primeiro período, apareceram talvez a metade das aulas. Iam aos testes com resultados perfeitos nos mesmos, apareciam para entregar trabalhos. Passavam a maioria do tempo a fazer pesquisa na biblioteca, ora na sala do clube ora nos computadores de acesso publico. Partilhavam teorias e técnicas descobertas, mantendo no entanto a linha de estudo e os projectos individuais separados, num semi-acordo nunca acordado de apenas revelarem as técnicas inerentes, não o que o todo seria.
Diogo começou por estudar teoria de redes, sujando as mãos e construindo do zero o seu próprio servidor, testando com ele formas de ganhar controlo do mesmo, corrigindo as falhas deste sempre que possível, bem como aprendendo novas e mais eficazes formas de dar a volta às defesas. Jogava ao gato e ao rato consigo mesmo, e ambas as partes queriam mais.
Começou a analisar o próprio servidor, recolhendo dados disponíveis neste sobre os seus utilizadores. Procurava entre os dados, percebendo a imensidão de informação que ficava para trás, como rasto da actividade de cada um. Estes rastos, pequenas migalhas deixadas para trás, poderiam ser seguidos, usados para identificar cada um dos utilizadores. Fascinava-o e horrorizava-o ao mesmo tempo este rasto. Poderiam seguir os seus passos, descobrir a sua pesquisa e usá-la contra ele. Mesmo não tendo até aí feito nada de legalmente questionável, era a invasão à sua privacidade que o deixava revoltado. Recatado como sempre, cada vez mais paranoico, a pergunta começou a formular-se repetidamente na sua mente. Poderia esconder estes rastos? Poderia apagar as migalhas? Como? As perguntas dançavam na sua mente, exigindo uma resposta adequada. Agora. Questionou os restantes membros do clube. Questionou o professor de informática. Questionou John. Procurou nos recantos mais profundos da internet por respostas. Tentou diversas ideias e técnicas, descartando as que falhavam. Questionou David, recebendo ideias interessantes e um olhar de curiosidade. Demorou semanas a dar uma resposta inicial uniformizada à questão. Começara por fazer tudo manualmente, desistindo quase de imediato da abordagem. Era demasiado falível, demasiado fácil cometer um erro, sofrer uma distracção. Precisava da perfeição da máquina, a sua atenção era falível. Começou a procurar compilar as diferentes técnicas em pequenos programas individuais, scripts. Começou a procurar uma forma de os integrar a todos numa única aplicação. Sabia estar no caminho certo, era uma questão de tempo.
Enquanto investigava e testava, havia uma necessidade que cada vez mais se tornava evidente: precisava de mais exemplos para teste. O seu próprio servidor não era suficiente para lhe dar todas as respostas que procurava. Cada vez mais esta situação o consumia. Dias antes das férias de natal finalmente resolveu partilhar essa questão com John. Este limitou-se a pedir-lhe para não fazer nada, mas para não esquecer a ideia durante as férias. Esquecer era impossível para Diogo, esta questão tornara-se o ponto fulcral da sua atenção, mas aquele pedido velado para que nada fizesse sem a presença de John fê-lo ficar sossegado. Não o impediu de colocar na mesa todas as questões e hipóteses que ponderava, mas respeitou o pedido do seu amigo, antecipando ansiosamente a altura certa de falar no assunto.
Além de colegas de turma, eram amigos, colegas de clube, companheiros de saídas. Inteligentes e com passados conturbados, encontraram um no outro uma rebelde e magoada alma à sua semelhante em diversos aspectos, capaz de compreender e amainar a dor de cada um.
Diogo foi percebendo a história de John através de pequenos fragmentos apanhados ao longo do tempo que haviam passado juntos. John nasceu em Inglaterra, nos arredores de Londres, filho de pais portugueses, educado num colégio interno devido à profissão dos pais requerer que estes viajassem quase constantemente. Foi no colégio que John estudou e viveu até ao final do ano lectivo anterior. Dias depois das férias, os seus pais morreram na queda de um avião ligeiro de passageiros, deixando John entregue aos avós que mal conhecia, pais da sua falecida mãe, que John vira umas quatro vezes até aí. Ainda não sendo muito próximo dos pais, após a sua morte John sentia-se completamente sozinho no mundo. De um momento para o outro, John perdera os pais, a sua zona de conforto, o seu país, toda a gente que conhecia. A sua vida fora estilhaçada.
John não quis aceitar a sugestão dos avós de interromper os estudos durante esse ano enquanto se ambientava ao novo país. Precisava de uma réstia de normalidade, e as aulas, embora num país diferente e numa escola nova, eram tudo o que lhe restava dessa normalidade perdida. Aproximara-se de Diogo após observá-lo no primeiro dia de aulas, e sabia ter feito a escolha certa. As questões de Diogo sobre todos os temas que John adorava eram infindáveis, a sua curiosidade nunca satisfeita, forçando John a repensar o porquê das coisas. Sugeria alternativas com mérito de teste. Oferecia-lhe um sorriso compreensivo e uma cerveja quando os dias pareciam mais longos de passar. Saiam ao fim de semana para um bar próximo do dojo de Diogo, um bar de musica rock com o ocasional metal à mistura, com varias salinhas semi-privadas para grupos. Jogavam uma variante americana de pool, chamada Bola 9, e John tinha um particular jeito para o jogo, chegando a ganhar a ocasional aposta sobre o mesmo à pressão, valendo a ambos uns trocos extra para mais uma bebida.
Para John, este seria o primeiro Natal sem os pais, passado pela primeira vez num país estranho, junto de familiares que mal conhecia. Diogo não podia permitir isso. Pediu receosamente a David para que John e os avós fossem passar o Natal com eles. Pediu para não explicar o porquê, mas tal pedido foi-lhe negado. David precisava de uma explicação, e Diogo foi obrigado a revelar os motivos que o levaram a tal pedido. John facilmente obteve a autorização dos avós, embora estes tenham recusado o convite a eles dirigido.
Diogo ficou radiante ao saber que John iria passar o Natal com ele. Juntou algum dinheiro que tinha de parte e comprou a edição especial do "Darkness and Hope" dos Moonspell como prenda para John.
David teria que passar esse Natal fora, em trabalho, e como tal, Diogo sentia-se aliviado por ao menos poder contar com a presença de uma das duas pessoas que o compreendiam. Ter John significava que Diogo não passaria mais de metade da noite acordado, com pensamentos dolorosos que nenhum antidepressivo poderia apagar. Para John, ter Diogo ao lado significava ter o apoio daquele que melhor o conhecia num momento de profunda dor. O primeiro Natal depois do acidente...
A reunião de entrega de notas realizou-se dias depois do inicio das férias. David foi informado pela directora de turma do volume de faltas. Foi também informado que estas eram sempre partilhadas com John. E que a sua grande maioria era passada na biblioteca. Avisado para o repreender, castigar por tal até, esse aviso foi ignorado. David ficou mais tranquilo ao saber que Diogo tinha finalmente encontrado alguém próximo, algo inédito até aí. Muito embora o volume de faltas, as notas de ambos saltavam à vista, e tal facto não ficou alheio à atenção de David. Penalizados nas notas finais pela questão da assiduidade, ainda assim os resultados de ambos eram impressionantes. Especialmente porque David tinha plena consciência de que Diogo não se dava ao mais pequeno incomodo de estudar matéria referente às aulas. Guardou ainda assim uma nota mental para falar com Diogo sobre as faltas. Pelo tempo que este passava frente ao computador, e pelos esquemas de algoritmia encontrados na biblioteca, tudo apontava para que Diogo estivesse mais uma vez a ser auto-didacta, empenhado num qualquer projecto cujo fim David sabia bem a inutilidade de questionar. Tentara-o no Verão, afinal de contas, e nenhum resultado obteve. Se havia algo que para David era evidente era o facto de o seu filho manter sempre a cabeça ocupada com algo, se bem que só nos últimos tempos começou a conseguir desvendar um pouco do porquê. Não, não pretende repreendê-lo ou castigá-lo pelas faltas. Mas pretende ainda assim perceber onde está a ser gasto o tempo em que deveria estar nas aulas. Mas tal conversa teria que ficar adiada para o seu regresso.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Carta guardada no fundo de um bloco

    A ti, meu amor,
A ti gostava de desvendar os segredos do universo e da vida guardando no peito a certeza de que o teu abraço é o único segredo que pretendo do mundo manter, bem junto à desilusão de saber que não importa o tempo de que venha a dispor, nunca esse tempo será suficiente para satisfazer a sede de tu que arde por dentro, e muito menos será próximo do necessário parar te conseguir dar o que realmente mereces, pois por mais que diga ou faça, sinto sempre que acções e palavras não são suficientes para te transmitir a essência do quanto te desejo, te gosto, te quero, te amo.
Escrevo inuteis palavras numa folha de papel com a tua imagem vincada na alma e apercebo-me do quão ridículas essas palavras são e um sorriso irónico atravessa-me a face ao perceber o quanto essas palavras se assemelham aquilo que proveniente de mim por carta de amor passaria,, e o quão ridículas minhas palavras são, e no fundo apercebo-me que ridículas são todas as cartas de amor alguma vez escritas, o idealismo geral humano de que o verdadeiro amor é sentido e marcado e cria a necessidade dentro de cada um (de mim especialmente) de gritar a plenos pulmões o que por ti sinto, e o que em mim a tua presença e o teu sorriso e os teus olhos profundos, nos quais me poderia perder pela eternidade, me fazem sonhar e ver e imaginar e desejar.
E até neste ridículo acto de tentar comunicar o incomunicável reconheço os paradoxais efeitos que em mim causas, que me tornam tão ridículo e irritante e docemente apaixonado quanto aqueles felizes e inconscientes casais adolescentes, que sempre odiei ver e que tão bem sabe por dentro ao ser um dos membros de tais melosos e detestáveis pares.
E falar de ti e do quão importantes e inegavelmente sinceros são os meus sentimentos por ti é uma perda de tempo. Não seriam por certo palavras a alterar algo, e palavras é algo que sempre tive a mais, silenciadas em prol de ouvir opiniões alheias sobre tudo e nada, até ao momento em que em ti senti a genuína vontade de ouvir, e apenas em ti. É perda de tempo, tempo que poderia ser tão mais bem empregue a cuidar de ti e a mimar-te e a fazer da minha miserável existência algo com um propósito a mim superior, esse mui nobre processo de a minha alma e mente e corpo a ti entregar, dando-te tudo o que tenho em troca desse incomparavelmente belo e sublime sorriso.
E como vês, meu amor, falo sem nada de novo dizer, qual político apelando ao voto, bandido que teu coração pretende roubar, e nada de novo poderei trazer à conversa, porque no fundo, no fundo, a questão resume-se facilmente a uma simples frase que poucas ou nenhumas dúvidas coloca em aberto.
"Gosto de ti, porra, e sinto a tua falta."


                                                Com amor,
                                                    Pestinha

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Benvindos ao Clube de Informática

 - Diogo!
O toque no ombro fez Diogo voltar à terra. Estava na biblioteca de casa, Vivaldi a tocar em volume máximo nos phones, agarrado a uma folha de desenho, rabiscando um esquema que David não compreendeu, mas resolveu não questionar. Tirou os phones e olhou para o pai, notando uma certa irritação nos olhos dele.
 - Passa-se alguma coisa?
 - Estou farto de te chamar.
 - Estava distraído, não te ouvi, desculpa.
 - Que estás tu a ouvir que nem ouves as pessoas?
 - Quatro Estações, de Vivaldi.
 - Não estás a ouvir berros? Estranho. Enfim, vai trocar de roupa. Vamos jantar fora.
 - Porquê?
 - Porque tenho fome, raios de pergunta. Lá por tu ignorares as tuas necessidades fisicas por estares demasiado concentrado, eu não o faço. E alguém tem que te arrancar desse teu mundinho.
 - Eu estava bem no meu mundinho. Mas tens razão, já comia qualquer coisa. Sushi?
 - Raios te partam mais o peixe cru.
 - Tu gostas.
 - Hoje não me apetece peixe. Arranja outra coisa.
 - Vamos embora, decidimos pelo caminho. Tens algo que se ouça no carro?
 - Se eu disser que sim, vais ouvir?
 - Não.
 - Despacha-te. Apetece-me comida regional alentejana.
 - Só podes estar a brincar. Para isso não saiamos de casa.
 - Queres tu fazer o jantar?
 - Queres comer, certo?
 - Pois... tens razão. Mexe-te.
Riram com o rumo da conversa, pai e filho rindo juntos como os amigos que eram. David pretendia usar este jantar para tentar arrancar alguma informação a Diogo sobre como estavam a correr as aulas, e especialmente como estava a correr a adaptação à nova escola e aos novos colegas. Passou apenas uma semana desde o inicio das aulas, mas ainda assim, David está preocupado. Tem ponderado tirar Diogo da psicoterapia, no entanto teme pelos efeitos disso. Apesar de saber que Diogo odeia aquilo, David viu alguns efeitos positivos em Diogo, que não conseguiu ainda perceber se se devem à medicação, à terapia, ou ao próprio crescimento de Diogo. Nos meses mais recentes, Diogo parecia menos infeliz, especialmente desde o final do nono ano, e da cerimónia em que recebeu o prémio de mérito, devido aos resultados perfeitos nesse ano, único de todas as turmas de nono ano a recebê-lo. David assistiu, orgulhoso, à entrega dos prémios e foi o único a perceber o sorriso sarcástico de vitória espelhado no rosto de Diogo ao receber o seu prémio. Diogo pediu a David que lhe permitisse aumentar a frequência dos treinos marciais durante o verão, argumentando esse prémio. David acedeu, e nem precisava de qualquer justificação para aceder a tal pedido. O pensamento de ter Diogo enfiado em casa durante todas as férias de Verão, sem contacto com ninguém além de si e dos seus pais não era algo que agradasse a David. Ele tem feito tudo o possivel para minimizar os efeitos daquela decisão tomada com Isabel. Sente uma quanta culpa pelo que Diogo passou nos ultimos anos. O jantar foi a forma que David arranjou para ter um pouco de privacidade com o filho, para tentar perceber o que se estava a passar com este, para tentar prestar uma ajuda que sabia perfeitamente que Diogo nunca iria pedir. David não é alguém que lide bem com emoções, e, de certa forma, pensa que isso afectou Diogo, tornando-o ainda mais frio e desligado que ele próprio. David sabe que, fora da familia, Diogo evita ao máximo envolver-se com pessoas, muito devido aos maus tratos que recebeu ao longo dos ultimos anos às mãos dos colegas de escola, e teme que essa lacuna a nível social seja a principal causa da evidente infelicidade de Diogo. David precisa apalpar terreno, tentar chegar a uma imagem mais proxima do real sobre o estado psicologico de Diogo.
 - Diogo! Mexe-te noiva.
 - Já vou, estava a gravar um CD.
 - Tanto tempo para mudar de roupa quando só usas uma cor?
 - Já de disse que estava a gravar um CD.
 - Berros?
 - Não. Uma colectânea de violinos clássicos.
 - Já decidiste onde vamos?
 - Não posso comer sushi, escolhe tu.
 - Entra e mete os violinos, fiquei curioso com isso.
Arrancaram. Diogo notou que havia algo a ocupar a mente de David. Não perguntou o quê, nunca fazia esse tipo de perguntas. No entanto, ficou com a sensação de que seria referente a si. Não era assim tão incomum David levar a família a jantar fora, mas normalmente levava também os avós de Diogo, em vez de sairem apenas os dois. Procuraria privacidade? Haveria algo na mente de David a partilhar com Diogo? Os violinos, apesar de belos, não eram o suficiente para afastar da cabeça de Diogo estes pensamentos. Queria chegar ao destino, começar a jantar, esperar que David começasse ou a relaxar ou a dizer o que tinha a dizer o mais rápido possível. Apesar de desde cedo ter aprendido a mascarar os seus sentimentos, Diogo era extremamente empático, sendo facilmente afectado pelos estados de espírito daqueles de que gostava. Além das dificuldades a que foi exposto, esse foi também um factor que levou Diogo a manter-se afastado dos restantes. Se não se envolvesse, não era afectado. Se não criasse laços, não era arrastado pelas emoções alheias. E lidar com emoções era, sem duvida, a sua maior fraqueza.
A viagem, apesar de relativamente longa, rapidamente chegou ao fim, David usando a capacidade do seu carro, puxando-o ao máximo possível até entrar na cidade onde decidira ir jantar com o filho. Estacionou praticamente em frente do restaurante, sairam do carro e entraram no mesmo, David seguindo à frente. Escolhera um restaurante com sala de refeições na cave, uma velha cave de repouso e vinhos adaptada, ainda decorada de forma a lembrar a antiga função, paredes escondidas atrás de pipos de vinho em madeira. Estavam sozinhos na sala. Sentaram-se, David pediu uma dose de carne de porco à alentejana, e uma garrafa de vinho pequena, sua habitual bebida à refeição. Diogo optou por um simples bitoque e um sumo de laranja natural. Esperaram em silêncio, David ainda a pensar como puxar o assunto que pretendia discutir, Diogo continuando o esquema em que estava a trabalhar antes de sair de casa, guardando a folha dobrada no bolso apenas quando os pratos foram entregues à mesa.
 - Que estás a rabiscar?
 - Algoritmos.
 - Resolveste começar a programar?
 - Não é bem de agora. Ando a pensar nisto desde o inicio do Verão.
 - É o quê?
 - Oh! É só uma parvoice sem utilidade prática.
 - Queres explicar?
 - Nem por isso. É uma parvoice, já te disse.
David resolveu não insistir no assunto. Diogo tinha tendência a ser extremamente reservado nestes pequenos projectos. No Verão anterior também havia passado muito tempo agarrado a algo, sem nunca revelar o quê a ninguém, até que um pequeno robot com uma câmera e um braço mecânico simples começou a circular pela casa para lhe trazer livros, CD's e a ocasional lata de bebida. Eventualmente arrumou-o no sotão após algumas semanas. David estava curioso com o que iria aparecer dessa vez.
 - Diz lá o que te está a remoer por dentro, pai.
 - Como vai a escola?
 - É isso?!
 - É. Preocupação de pai.
 - Vai bem.
 - Que achas dos professores?
 - Alguns são interessantes.
 - E a turma?
 - Sei lá.
 - Conheces algum?
 - O John.
 - John? Isso é nome próprio.
 - Sim. Nasceu em Inglaterra, filho de pais portugueses.
 - Houve algum... problema?
 - Não, descansa. Passou uma semana, não há tempo para isso ainda.
 - Vamos ver. Contas-me se algo acontecer?
 - Sim, descansa. Eu sei tomar conta de mim, sabes?
 - Sim, eu sei.
Há silêncios e silêncios. Este era um daqueles que se prendiam a coisas que se sabem mas que não se deseja partilhar em voz alta, apesar de em pensamento partilharem a dor. O jantar provara-se infrutífero para David, se bem que este percebia a reacção defensiva e reservada do filho. Era muito pouco tempo para que as coisas tivessem já começado a correr mal.
Ao fim de uma semana, tudo o que Diogo sabia era que ninguém o havia tratado de forma incorrecta. John e Diogo bebiam café de manhã, iam sossegados de seguida para a primeira aula, o cérebro ainda a arrancar por completo. Intervalo a seguir, tostas de queijo e um cigarro, habito que Diogo apanhou rapidamente com John, ouviam musica e falavam de tudo ou de nada pelo meio. Almoço sempre na cantina, sorrisos na cara de ambos, cumprimentando com uma desinteressada simpatia as senhoras da cantina, ocasionalmente retribuída por uma sobremesa extra. Tomavam café e um shot de vodka num pub próximo, situado num rés-do-chão e cave, mais sossegada, onde costumavam ficar a conversar até que calhava. As vezes baldavam-se as aulas da tarde, jogando pool e falando de si mesmos ou de qualquer outra coisa que lhes cruzasse a ideia.
Na segunda feira da terceira semana de aulas, sem terem sequer mencionado o assunto um ao outro, ambos se inscreveram no clube de informática da escola, separadamente. Foram informados de que este decorria todas as terças e quintas, numa sala adjacente da biblioteca da escola, entre as 18 e as 20. Descobriram no dia seguinte a coincidência, encontrando-se ambos na biblioteca assim que as 18 horas chegaram, deixados sozinhos durante minutos, até que uma rapariga de cabelos ondulados se lhes juntou pouco depois. Os elementos mais antigos do clube, quatro rapazes e uma rapariga, chegaram uns após os outros nos minutos a seguir as 18:30. Um dos rapazes olhou os três, levantando o sobrolho.
 - O que estão a fazer sentados em vez de começarem o que raios querem fazer?
 - Como assim?
A voz de Diogo ouviu-se baixa, mas perceptivel.
 - Aquilo uqe estavam a pensar que iam fazer quando se inscreveram. Os computadores estão ali, pessoas, dentro da sala que tem o papel que diz, estranhamente, "Clube de Informática", nós não os levamos connosco. Informática senhores. Metam as mãos à obra e sujem-nas, por assim dizer. Se tiverem duvidas, falem uns com os outros, falem connosco, pesquisem na internet. Juntos, podemos ajudar-nos uns aos outros a fazer o que cada um quer, aprendendo um pouco mais pelo caminho. Nos costumamos usar os da fila do fundo. Escolham uma máquina para vocês e divirtam-se.
Os novatos entreolharam-se, surpresos. Escolheram computadores para cada um, e foram novamente chamados à atenção pelo mesmo rapaz, que lhes apontou um armário.
 - Têm software naquele armário. E manuais. Recomendo-vos formatarem as vossas máquinas e personaliza-las de seguida. Aproveitem, cada um vai ter acesso à sua, portanto usem-nas. Dúvidas pelo meio, já sabem. Procurem ajuda. Além disso, divirtam-se. Benvindos ao clube de informática.

Tudo tem um inicio.

Setembro. Primeiro dia de aulas. Diogo levantou-se cedo demais para o necessário. Acabou por esperar quase vinte minutos pelo autocarro. Fez a viagem em silêncio, olhando a paisagem pela janela, a mesma musica a ser repetida nos phones. Opeth, "In My Time Of Need". A meio da terceira vez chegou ao destino, o autocarro parando junto da escola. Diogo conhece mal a cidade. Olha o relógio de pulso, um topo de gama oferecido por David, com mais funções que as que Diogo alguma vez se daria ao trabalho de descobrir. Faltava meia hora para a primeira aula. Questionou um dos que partilharam consigo o autocarro, perguntando pelo café mais próximo. Precisava de acordar. Tomou dois cafés quase de seguida, sem açúcar. Voltou para a escola em cima da hora de entrada, perdendo ainda uns minutos a encontrar a sala onde iria ter a primeira aula do dia. Chegou já uns minutos depois do toque de entrada, caminhando calmamente. Decidira que não lhe valia de muito manter a impecável pontualidade que anteriormente lhe era característica. Já iria perder tempo a ouvir repetições de matéria de qualquer das formas, poderia perder mais uns segundos. Vindo do lado oposto do corredor, um homem careca caminhava a passo lento enquanto enrolava um cigarro. Diogo entrou na sala segundos antes da peculiar figura. Sentou-se sozinho numa mesa no fundo da sala. O homem entrou atrás dele, dirigiu-se à secretária junto do quadro, pousou o cigarro artesanal em cima da mesa e percorreu a sala com o olhar, focando cada um deles durante alguns segundos antes de falar.
 - Ora bom dia, caros alunos. Como devem conseguir deduzir se olharam para o horário e não forem demasiadamente estúpidos, eu sou o vosso professor de História. Para os que não olharam, ou para quem é demasiado estúpido para ter percebido, considerem-se a partir daqui informados. O programa define estas duas horas para a apresentação da turma e do professor. A minha apresentação está feita. Eu não me vou lembrar dos vossos nomes de qualquer forma, portanto desapareçam da minha frente que eu quero ir fumar e tomar um café que não tive tempo para nenhuma das duas ainda.
A turma estava atónita, sem reacção às inesperadas palavras. Diogo sorria. "História vai ser interessante, pelos vistos."
 - Que parte de "desapareçam" não compreenderam?
Só depois desta frase começaram a arrumar o material. Diogo, tendo chegado atrasado, não tinha tirado nada da mochila, e foi portanto o primeiro a sair da sala, seguido pelo professor. Tinha duas horas para queimar antes da próxima aula, e não tinha ideia de como o fazer. Acabou por divagar pelos corredores da escola, sozinho, musica ligada com o som ao máximo, tentando memorizar a localização das salas de aulas. Acabou por passar a ultima hora na biblioteca, lendo um livro de Edgar Allan Poe, aguardando a próxima aula.
O resto das aulas desse dia foram uma simples e monótona repetição umas das outras, os professores pedindo a cada um uma breve apresentação composta por nome, idade e localidade onde viviam. Chegada a vez de Diogo, era evidente a surpresa na cara dos professores ao ouvir a sua idade, dois anos mais jovem que os restantes colegas. No entanto, apenas na ultima aula do dia, Língua Portuguesa, o professor o questionou sobre tal.
 - Diogo, você foi avançado dois anos?
 - Fui.
 - Posso saber o motivo?
 - Acho que o fizeram para me estimular. Já sabia ler e escrever ao entrar para a primaria, portanto resolveram poupar-me ao tédio.
 - Como aprendeste? Os teus pais ensinaram-te?
 - Comecei sozinho. O meu pai ajudou.
 - Tem sido difícil ser o mais novo da turma?
 - Se ignorassem a minha idade e avaliassem o que sou, não seria.
 - Espero que a mudança de escola ajude. Vais notar uma diferença substancial na forma como os teus colegas reagem, devido ao avanço de mentalidade.
 - Duvido...
 - Não sejas pessimista.
 - Não sou pessimista, sou um realista convicto.
O professor sorriu ao ouvir esta frase. Prosseguiu a apresentação dos restantes, guardando uma nota mental para se manter atento àquele peculiar jovem.
A ultima aula do dia, e a conversa entre o professor e Diogo marcou o final do sucesso da tentativa deste de passar despercebido, se bem que só no dia seguinte ele se apercebeu de tal. Foi ao chegar no dia seguinte que deu por algo. Desceu do autocarro, phones nos ouvidos, e seguiu o mesmo caminho até ao café, sendo interrompido alguns passos depois por um toque no ombro.
 - Diogo!
Ele tira um dos phones, permitindo-lhe ouvir o seu interlocutor, visivelmente surpreso por alguém ter já memorizado o seu nome.
 - Vais tomar café?
 - Vou.
 - 'Bora. Que 'tás a ouvir?
 - Slipknot.
 - Empresta-me um dos phones.
Olhou bem para o rapaz. Cabelo curto, louro, espetado. Olhos azuis profundos, pele branca com sardas. Uma camisa branca e calças de ganga rasgadas nos joelhos, botas de aspecto militar.
 - Sou o John. Podes chamar-me John.
 - Diogo.
 - Eu sei.
Seguiram juntos. Tomaram café, foram às aulas da manhã, contra-vontade, ficando sentados ao fundo da sala, dividindo os phones até serem chamados à atenção por tal, descobrindo em comum gostos musicais e ódio pela estupidez humana.
Na companhia de John, Diogo descobriu que o vazio não desaparecia, mas que se tornava mais suportável. Talvez houvesse, afinal, uma réstia de esperança.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Infância, Parte III

Era meio de Novembro. Diogo estava na escola, no seu quarto ano. Tinha 7 anos. A sala estava gelada, nenhum tipo de aquecimento artificial conseguia compensar o vento gelado que fazia as velhas janelas rangerem constantemente.
Passavam alguns minutos das 10 quando David bateu na porta entreaberta para chamar a atenção de Isabel, pedindo para falar com ela em privado.
Diogo observava em silêncio, a ansiedade a tomar conta de si pela primeira vez na sua jovem vida. Algo estava errado. Ele nunca tinha visto o seu pai vir à escola durante o horário de aulas. Teria feito algo de errado? Pensa que não, mas ainda assim receia. Momentos depois, Isabel e David reentraram na grande e gelada sala de aula, e Diogo notou uma lágrima no canto do olho de David, este finalmente terminando a ansiedade do jovem.
 - A tua bisavó morreu.
Diogo não disse nada. Não chorou. Não perguntou quando, pois sabia aproximadamente quando. Disse-lhe bom dia e deu-lhe um beijo antes de sair para a escola, como fazia todos os dias.
 - Adeus, pequeno génio. Boa sorte.
Aconteceu depois disso, e a hora exacta em nada importava a Diogo. Dentro dele sentia um vazio a apoderar-se de si. A sua bisavó havia-se despedido dele, o seu adeus final. Ela sabia que era o fim, e pegou num desses vitais e preciosos momentos finais para se despedir dele e dar-lhe um beijo de adeus.
Durante os dois dias seguintes passou o tempo na casa mortuária, olhos vazios presos no caixão, ouvindo o incessante e irritante som de risos e conversa. David, tal como Diogo, manteve silêncio durante todo o tempo. A avó de Diogo chorava sem ruído, a pouca distancia dele, observando a face do cadáver da sua mãe.
Dentro de Diogo o vazio crescia, preenchendo-o por completo até nada existir dentro de si excepto o vazio e uma pequena frase, repetida como um mantra.
"Ela está livre."
O vazio não desapareceu depois do funeral. Ele tentou ignorá-lo, escondê-lo, preenchê-lo com livros e musica, que não faltavam em casa.
Passara a adorar os manuais de química. Lia-os e relia-os, tentando compreender os processos, sonhando consigo, de bata de laboratório, misturando líquidos coloridos, aprendendo a curar o vazio.
Se ele antes era distante, dali em diante tornou-se um completo alienígena, completamente desligado de todos, de tudo. Os resultados escolares continuavam excelentes, mas tudo o resto excepto os treinos eram ignorados.
Continuava a passar tempo com Isabel depois das aulas, pedindo trabalho extra, exercícios o mais complexos possíveis. Queria desafiar-se, aprender, ocupar a sua jovem mente. Queria fugir à sensação de vazio que dele se apoderara, mas sem sucesso.
Foi no ano lectivo seguinte que as coisas passaram a ser mais complicadas, não a nível de estudos, mas a nível social. No quinto ano rapidamente ficou conhecido entre os professores. Aborrecia-se rapidamente, não tinha paciência para as constantes repetições de matéria. Começou a pedir trabalho extra para se distrair enquanto aguardava o toque de saída. Os professores, começando pelo de português, rapidamente começaram a fornecer-lhe matéria extra. Só o seu professor de ciências se recusava a fazer-lhe essa vontade. Não que o tratasse mal, apenas se recusava a dar-lhe extras. Chegou a tentar dissuadir o resto dessa prática, avisando-os de que Diogo não iria parar ou ficar satisfeito, e Diogo era jovem demais para perceber que a sua mente tinha limites.
Diogo passava os intervalos na biblioteca da escola, entre livros e internet, uma descoberta que para ele foi maravilhosa. Tanto conhecimento apenas à distância de um mero clique num rato.
A hora de almoço era o seu pesadelo. A biblioteca fechava e ele era obrigado a passar o tempo aborrecido, à mercê dos seus colegas. Sendo muito mais jovem que os restantes, Diogo era visto e tratado como um alvo fácil, um miudito que era fácil de gozar para umas gargalhadas. Diogo não tinha, no entanto, a noção de quando recuar. Enfrentava as provocações, chegando a envolver-se em cenas de pancadaria devido a tal. O tempo entre o seu quinto ano e o nono foi uma distenção da mesma realidade: estudos extracurriculares, treinos de ninjutsu, tentar sobreviver ao tempo fora das aulas. David tentava, em vão, ajudar, oferecer apoio, dar-lhe incentivo a continuar, tentando fazer Diogo perceber que as coisas iriam mudar, mas Diogo não tinha qualquer tipo de esperança nisso. Diogo era obviamente infeliz, e David não sabia o que fazer para o ajudar.
Foi no inicio do seu 8º ano, ainda com 12 anos, que Diogo eventualmente sucumbiu. O abuso do seu cérebro, a constante infelicidade e o vazio que sentia, aliados à constante pressão dos outros miúdos fizeram com que este se fosse abaixo. Teve um esgotamento nervoso. Passou a frequentar uma psicóloga todas as semanas. O tempo na psicóloga era passado em silêncio sempre que podia. Diogo odiava aquela hora, e recusava-se a colaborar.
As perguntas eram repetidas, pouco variando.
 - Sofres abusos em casa?
 - Não.
 - E na escola?
 - Às vezes.
 - Porque é que os outros miúdos se metem contigo?
 - Sou diferente.
 - Que fazes quando isso acontece?
 - Respondo.
 - Porquê?
 - Não sou covarde.
 - E costumas envolver-te em lutas?
 - Às vezes.
 - Costumas sair magoado?
 - Às vezes.
 - Porquê às vezes?
 - Depende de quem se junta para defender o meu adversário.
 - Quem se junta a ti?
 - Ninguém.
 - Tens amigos?
 - Não.
 - Porque não?
 - Os míudos da escola são demasiado infântis.
 - Preferes falar com pessoas mais velhas?
 - Sim.
 - Gostas de falar comigo?
 - Não.
 - Porque não?
 - Passa o tempo a fazer perguntas inúteis quando é óbvio que não tem as respostas que eu preciso. Este tempo é um desperdício da minha atenção e do dinheiro do meu pai.
Todas as sessões de terapia a que foi eram mais do mesmo. Depois havia também a psiquiatra. Tinha que tomar doses diárias deste e daquele medicamento, a esta ou àquela hora. Quando perguntava durante quanto tempo, recebia como resposta:
 - Veremos quando houver melhorias.
Pensou perguntar que melhorias esperavam, mas nunca o fez. Os comprimidos eram apenas drogas legais. Faziam-no sentir-se lento, estúpido. Faziam-no sentir-se quimicamente feliz, o que o tornava ainda mais miserável. Ninguém deveria ser tão infeliz ao ponto de ser condenado a felicidade quimicamente induzida.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Feliz Ano 2014

2013 terminou. Volto a realizar, como sempre, provavelmente como toda a gente que comemora a passagem de ano nesta data o faz, ou fez na noite passada, uma analise do ano que passou. A passagem de mais um ano, o arquivar do ficheiro da memoria referente a 2013 e abrir o novo destinado a 2014. Lembro-me de ter entrado em 2013 numa festa que não foi festa nenhuma, mas com uma certa esperança. Afinal de contas, estava de fresca lembrança de um concerto que marcava o fim do mundo segundo o calendário Maia. Sobrevivi, obviamente, mas de certa forma, o meu mundo não. 2013 foi um ano de mudança. Completa, em todos os aspectos. Casa, trabalho, vida familiar... tudo foi afectado em 2013, toda a minha realidade foi quebrada e reconstruida do zero neste ano. Foi um processo longo. Penoso, cheio de momentos menos bons compensados por alguns pequenos momentos que me fazem pensar que o balanço final é positivo, apesar de largamente ultrapassados em numero pelos menos bons ou definitivamente revoltantes.
Perdi tudo o que julgava erradamente possuir, e reencontrei algo que julgava perdido para sempre.
Não posso deixar de olhar para este ano como um recomeço, um reinventar de mim em moldes que me parecem bem mais agradáveis de viver na pele, e de permitir dormir à noite.
Penso "Estou feliz?" e hesito em responder. Não que pondere se a resposta será sim ou não, mas hesito em responder porque no fundo considero a futilidade da pergunta. Estou feliz? Estou. Estou a lutar pelo que quero e essa luta nem sempre é feliz. Mas é certa. E nessa certeza de perseguir o que é certo, o que me faz sentir feliz em perseguir esse destino final, esse próximo começo talvez. Somos uns insatisfeitos por hábito, fruto de nós mesmos e fruto do efeito da sociedade de consumo que nos incentiva a querer sempre mais.
Lembro-me que nos inícios de 2013 eu perguntei a mim mesmo o que poderia ser, se já não podia ser aquilo. Foi no inicio da alteração.
Se para mais nada serviu, 2013 serviu para responder à minha questão. Posso ser eu de novo. Sou incapaz de parar, e o tédio é o meu maior inimigo. Dou mais uma vez por mim a manter mãos e cérebro ocupados para passar além de uma das minhas normais fazes depressivas, e aguardo a próxima fase maníaca. Como a lua que aguarda passar de nova a cheia, e de volta de novo. Porque é normal. Porque, fora as possíveis desculpas esfarrapadas e diagnósticos pomposos com direito a medicamentos especiais, isto é a minha forma normal de ser. Sou eu, faz parte de mim. Demorei anos a perceber que não devo combater o que sou. Que não devo martirizar-me. Sob pressão extrema sobrevivo. No meu total. Prospero.
Procurei soluções externas a algo que pensava ser um problema. 2013 ensinou-me que o único problema era ser visto como tal.
Aprendi. Evolui durante 2013. Olho o resultado nos olhos críticos da minha mente e quase aceno de aprovação. Muito próximo de um semi-decente. Foi mais um dos estágios do ciclo concluído. O mundo não mudou. O mundo continua o mesmo. Eu é que mudei.