Setembro. Primeiro dia de aulas. Diogo levantou-se cedo demais para o necessário. Acabou por esperar quase vinte minutos pelo autocarro. Fez a viagem em silêncio, olhando a paisagem pela janela, a mesma musica a ser repetida nos phones. Opeth, "In My Time Of Need". A meio da terceira vez chegou ao destino, o autocarro parando junto da escola. Diogo conhece mal a cidade. Olha o relógio de pulso, um topo de gama oferecido por David, com mais funções que as que Diogo alguma vez se daria ao trabalho de descobrir. Faltava meia hora para a primeira aula. Questionou um dos que partilharam consigo o autocarro, perguntando pelo café mais próximo. Precisava de acordar. Tomou dois cafés quase de seguida, sem açúcar. Voltou para a escola em cima da hora de entrada, perdendo ainda uns minutos a encontrar a sala onde iria ter a primeira aula do dia. Chegou já uns minutos depois do toque de entrada, caminhando calmamente. Decidira que não lhe valia de muito manter a impecável pontualidade que anteriormente lhe era característica. Já iria perder tempo a ouvir repetições de matéria de qualquer das formas, poderia perder mais uns segundos. Vindo do lado oposto do corredor, um homem careca caminhava a passo lento enquanto enrolava um cigarro. Diogo entrou na sala segundos antes da peculiar figura. Sentou-se sozinho numa mesa no fundo da sala. O homem entrou atrás dele, dirigiu-se à secretária junto do quadro, pousou o cigarro artesanal em cima da mesa e percorreu a sala com o olhar, focando cada um deles durante alguns segundos antes de falar.
- Ora bom dia, caros alunos. Como devem conseguir deduzir se olharam para o horário e não forem demasiadamente estúpidos, eu sou o vosso professor de História. Para os que não olharam, ou para quem é demasiado estúpido para ter percebido, considerem-se a partir daqui informados. O programa define estas duas horas para a apresentação da turma e do professor. A minha apresentação está feita. Eu não me vou lembrar dos vossos nomes de qualquer forma, portanto desapareçam da minha frente que eu quero ir fumar e tomar um café que não tive tempo para nenhuma das duas ainda.
A turma estava atónita, sem reacção às inesperadas palavras. Diogo sorria. "História vai ser interessante, pelos vistos."
- Que parte de "desapareçam" não compreenderam?
Só depois desta frase começaram a arrumar o material. Diogo, tendo chegado atrasado, não tinha tirado nada da mochila, e foi portanto o primeiro a sair da sala, seguido pelo professor. Tinha duas horas para queimar antes da próxima aula, e não tinha ideia de como o fazer. Acabou por divagar pelos corredores da escola, sozinho, musica ligada com o som ao máximo, tentando memorizar a localização das salas de aulas. Acabou por passar a ultima hora na biblioteca, lendo um livro de Edgar Allan Poe, aguardando a próxima aula.
O resto das aulas desse dia foram uma simples e monótona repetição umas das outras, os professores pedindo a cada um uma breve apresentação composta por nome, idade e localidade onde viviam. Chegada a vez de Diogo, era evidente a surpresa na cara dos professores ao ouvir a sua idade, dois anos mais jovem que os restantes colegas. No entanto, apenas na ultima aula do dia, Língua Portuguesa, o professor o questionou sobre tal.
- Diogo, você foi avançado dois anos?
- Fui.
- Posso saber o motivo?
- Acho que o fizeram para me estimular. Já sabia ler e escrever ao entrar para a primaria, portanto resolveram poupar-me ao tédio.
- Como aprendeste? Os teus pais ensinaram-te?
- Comecei sozinho. O meu pai ajudou.
- Tem sido difícil ser o mais novo da turma?
- Se ignorassem a minha idade e avaliassem o que sou, não seria.
- Espero que a mudança de escola ajude. Vais notar uma diferença substancial na forma como os teus colegas reagem, devido ao avanço de mentalidade.
- Duvido...
- Não sejas pessimista.
- Não sou pessimista, sou um realista convicto.
O professor sorriu ao ouvir esta frase. Prosseguiu a apresentação dos restantes, guardando uma nota mental para se manter atento àquele peculiar jovem.
A ultima aula do dia, e a conversa entre o professor e Diogo marcou o final do sucesso da tentativa deste de passar despercebido, se bem que só no dia seguinte ele se apercebeu de tal. Foi ao chegar no dia seguinte que deu por algo. Desceu do autocarro, phones nos ouvidos, e seguiu o mesmo caminho até ao café, sendo interrompido alguns passos depois por um toque no ombro.
- Diogo!
Ele tira um dos phones, permitindo-lhe ouvir o seu interlocutor, visivelmente surpreso por alguém ter já memorizado o seu nome.
- Vais tomar café?
- Vou.
- 'Bora. Que 'tás a ouvir?
- Slipknot.
- Empresta-me um dos phones.
Olhou bem para o rapaz. Cabelo curto, louro, espetado. Olhos azuis profundos, pele branca com sardas. Uma camisa branca e calças de ganga rasgadas nos joelhos, botas de aspecto militar.
- Sou o John. Podes chamar-me John.
- Diogo.
- Eu sei.
Seguiram juntos. Tomaram café, foram às aulas da manhã, contra-vontade, ficando sentados ao fundo da sala, dividindo os phones até serem chamados à atenção por tal, descobrindo em comum gostos musicais e ódio pela estupidez humana.
Na companhia de John, Diogo descobriu que o vazio não desaparecia, mas que se tornava mais suportável. Talvez houvesse, afinal, uma réstia de esperança.
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