Não falaram daquela noite. Na segunda semana de férias, Diogo esteve sozinho em casa, sem quase sair da biblioteca. Os avós estavam consigo, David apenas voltaria depois da passagem de ano.
Diogo enterrou a noite de Natal atribuindo os acontecimentos ao álcool. Durante a primeira semana de aulas bebeu café com John, em silêncio. Faltavam as aulas, mas não passavam tempo juntos. Apareciam alternadamente, e isso levantou suspeitas a alguns professores desde logo. Ou iam juntos, ou faltavam juntos, era essa a norma. Segunda feira tinham história e matemática em seguida. Diogo foi a história, sozinho. John apareceu a matemática. A directora de turma estranhou de imediato, mas não disse nada. No final desse dia voltou a olhar o livro de ponto. Haviam repetido a situação durante a tarde. Fizeram o mesmo nos dois dias seguintes.
Na quinta, depois de tornar a ver a repetição da questão, já que John estava presente, mas faltara a história, enquanto Diogo fora a historia mas estava agora a faltar, fez a chamada, anotou Diogo como presente e olhou a sala, passando por cada um dos presentes antes de falar.
- Bom dia, turma.
Um eco de diversos murmúrios de bom dia.
- Sara, fazes-me um favor, querida?
- Que favor, stôra?
- Vais a biblioteca e dizes ao Diogo para vir ter comigo. De imediato.
A rapariga cumpriu a ordem, mas Diogo ficou relutante em aceder. A directora de turma nunca o havia mandado chamar a uma aula antes. Normalmente deixava-os em paz. Acedeu, seguindo a colega num passo lento, olhos fixos no chão à sua frente. Entrou na sala, murmurou um bom dia e foi sentar-se ao lado de John. Os olhos de ambos não se cruzaram, eles não deram qualquer sinal de terem notado a presença um do outro. A professora notou isso, apesar de mais ninguém ter prestado atenção.
- Turma, têm como trabalho de casa os exercícios da página 100 à 110.
Um dos rapazes exclamou em resposta um:
- Isso é muito!
- Bem, Roberto, eu ia dispensá-los por hoje, mas se o Roberto prefere, você e o resto da turma podem ficar aqui a fazer esses mesmos exercícios e levar a página 111 à 120 para trabalhos de casa, sendo que quem não os apresentar na segunda leva falta aos dois tempos. Que acha?
Um burburinho elevou-se na sala, Diogo e John sem se manifestarem. Todos pareciam concordar com a dispensa e o trabalho de casa.
- Bem, como é? Roberto, ainda acha muito?
- Não, stôra.
- Optimo. Uma coisa. Isto é dispensa para estudo. Nada de sair do recinto da escola ou não se torna a repetir. Entendido?
Todos concordaram. Depois se veria se cumpririam.
- Até segunda, turma.
A turma começou a arrumar o material quando a voz da professora se voltou a ouvir.
- Diogo, John, vocês dois ficam. Resto, despachem-se e nada de barulho no corredor.
Esperou que todos saíssem, fechou a porta e foi sentar-se de frente para eles do outro lado da secretária que ambos partilhavam.
- Muito bem, meninos, comecem lá a explicar.
Fizeram-se de desentendidos em uníssono.
- Explicar o quê?
- Explicar porque andam há uma semana a aparecer alternadamente às aulas.
Foi Diogo quem respondeu.
- Assim ao menos temos toda a matéria, entre as notas de ambos.
A professora não conseguiu resistir a soltar uma gargalhada sonora.
- Nenhum de vocês tira apontamentos. Ouçam, podem fingir o quanto quiserem, vocês não estão normais.
Foi a vez de John responder.
- Nunca o fomos.
- Mas vocês têm uma rotina na vossa singularidade. Isto é simples, meninos. Ambos deveriam ter chumbado o ano por faltas a meio do primeiro período. Eu fiz, e enquanto não me desiludirem vou continuar a fazer com que tal não aconteça, apesar de ter avisado o teu pai, Diogo, e a tua avó, John. Mas sabem o que isso significa?
Murmuraram um não em conjunto e deixaram-na continuar.
- Significa que vocês estão em divida comigo e que, como tal, me vão obedecer, ou acaba-se a professora querida e compreensiva. Não estou, neste momento, preocupada em falar-vos como directora de turma ou como vossa professora, apenas como pessoa. Aquilo que vocês encontraram um no outro é precioso. E vocês estão com qualquer coisa a perturba-los. Não vou deixar-vos fazer isso sem um esforço, e sei bem o quão casmurros vocês são. Portanto, aquilo que vocês disserem a mim ou um ao outro não vai sair daqui, mas vocês não saem desta sala sem resolverem o que quer que seja que se passa e eu aprove a resolução. Entendido? Podem começar.
Nenhum respondeu. A professora deu-lhes um par de minutos antes de os pressionar novamente.
- Que se passa? Qual é a vergonha afinal? John, vamos lá. O Diogo não vai iniciar. Que aconteceu nas férias? Desembucha que eu não tenho o dia todo, e ao contrário de vocês dois, não tenho um anjinho da guarda a fazer desaparecer as minhas faltas.
- O John beijou-me e basicamente não sei falar disso e ele também não disse nada e é estranho como isto me está a fazer sentir.
- Só agora?!
Nenhum dos dois esperava aquela reacção.
- Como assim, só agora?
Mais uma vez falavam a uma única voz.
- Pensava que já tinham passado da fase do primeiro beijo há algum tempo.
Não houve uma resposta da parte deles, mas a surpresa era evidente nos seus rostos. Ela resolveu explicar.
- Vocês são o par perfeito, meninos, a todos os níveis. Salta à vista dos pouquíssimos que percebem. Eu tinha a idade do John quando tive a minha primeira namorada. E naquele tempo as coisas eram bem piores que hoje, se bem que confesso-vos, continua a ser estranho na cabeça de muita gente.
Se antes estavam com um ar de surpresa, este intensificou-se e passou a choque.
- Que foi? A professora directora de turma não pode gostar de lamber carpete, é?
A expressão aliviou a tensão, colocando um sorriso no rosto de todos, antes de ela continuar.
- Vivo com a Vânia há anos. Quase cinco anos, na verdade. A minha primeira namorada chamava-se Diana. Não durou mais que seis meses, mas foi estranho, intenso e difícil. Diogo, tu já antes eras posto de lado e provocado. Isso vai voltar a acontecer, sabes? Mas tu és o que és. Não é uma escolha. É simplesmente aquilo que vocês são. Vocês são fortes e inteligentes. Não vos vou obrigar a nada, óbvio. Mas, se querem o conselho de alguém que já viveu isso mais do que vocês, não deixem de ser felizes pelo que o resto pensa.
- Quem mais pensa como você sobre nós?
- O Carlos de informática e o José de História. Tanto quanto sei mais ninguém. Não se preocupem nem com os adultos nem com os adolescentes. Aproveitem. Agora desapareçam da minha frente e vão vocês conversar um com o outro. Estão dispensados da tarde, eu trato disso. Não iam aparecer de qualquer das formas, portanto é melhor assim. Eu trato do assunto.
- Obrigado, professora.
- O meu nome é Ema fora das aulas, entendido? Nós três vamos voltar a falar. Agora desapareçam. Não se esqueçam dos trabalhos de casa.
Diogo fez um meio sorriso.
- Como se nós os fizéssemos alguma vez, Ema.
Novo sorriso partilhado entre todos.
- Entendam-se.
Eles saíram e foram para o café. Havia uma conversa a ter.
Diogo enterrou a noite de Natal atribuindo os acontecimentos ao álcool. Durante a primeira semana de aulas bebeu café com John, em silêncio. Faltavam as aulas, mas não passavam tempo juntos. Apareciam alternadamente, e isso levantou suspeitas a alguns professores desde logo. Ou iam juntos, ou faltavam juntos, era essa a norma. Segunda feira tinham história e matemática em seguida. Diogo foi a história, sozinho. John apareceu a matemática. A directora de turma estranhou de imediato, mas não disse nada. No final desse dia voltou a olhar o livro de ponto. Haviam repetido a situação durante a tarde. Fizeram o mesmo nos dois dias seguintes.
Na quinta, depois de tornar a ver a repetição da questão, já que John estava presente, mas faltara a história, enquanto Diogo fora a historia mas estava agora a faltar, fez a chamada, anotou Diogo como presente e olhou a sala, passando por cada um dos presentes antes de falar.
- Bom dia, turma.
Um eco de diversos murmúrios de bom dia.
- Sara, fazes-me um favor, querida?
- Que favor, stôra?
- Vais a biblioteca e dizes ao Diogo para vir ter comigo. De imediato.
A rapariga cumpriu a ordem, mas Diogo ficou relutante em aceder. A directora de turma nunca o havia mandado chamar a uma aula antes. Normalmente deixava-os em paz. Acedeu, seguindo a colega num passo lento, olhos fixos no chão à sua frente. Entrou na sala, murmurou um bom dia e foi sentar-se ao lado de John. Os olhos de ambos não se cruzaram, eles não deram qualquer sinal de terem notado a presença um do outro. A professora notou isso, apesar de mais ninguém ter prestado atenção.
- Turma, têm como trabalho de casa os exercícios da página 100 à 110.
Um dos rapazes exclamou em resposta um:
- Isso é muito!
- Bem, Roberto, eu ia dispensá-los por hoje, mas se o Roberto prefere, você e o resto da turma podem ficar aqui a fazer esses mesmos exercícios e levar a página 111 à 120 para trabalhos de casa, sendo que quem não os apresentar na segunda leva falta aos dois tempos. Que acha?
Um burburinho elevou-se na sala, Diogo e John sem se manifestarem. Todos pareciam concordar com a dispensa e o trabalho de casa.
- Bem, como é? Roberto, ainda acha muito?
- Não, stôra.
- Optimo. Uma coisa. Isto é dispensa para estudo. Nada de sair do recinto da escola ou não se torna a repetir. Entendido?
Todos concordaram. Depois se veria se cumpririam.
- Até segunda, turma.
A turma começou a arrumar o material quando a voz da professora se voltou a ouvir.
- Diogo, John, vocês dois ficam. Resto, despachem-se e nada de barulho no corredor.
Esperou que todos saíssem, fechou a porta e foi sentar-se de frente para eles do outro lado da secretária que ambos partilhavam.
- Muito bem, meninos, comecem lá a explicar.
Fizeram-se de desentendidos em uníssono.
- Explicar o quê?
- Explicar porque andam há uma semana a aparecer alternadamente às aulas.
Foi Diogo quem respondeu.
- Assim ao menos temos toda a matéria, entre as notas de ambos.
A professora não conseguiu resistir a soltar uma gargalhada sonora.
- Nenhum de vocês tira apontamentos. Ouçam, podem fingir o quanto quiserem, vocês não estão normais.
Foi a vez de John responder.
- Nunca o fomos.
- Mas vocês têm uma rotina na vossa singularidade. Isto é simples, meninos. Ambos deveriam ter chumbado o ano por faltas a meio do primeiro período. Eu fiz, e enquanto não me desiludirem vou continuar a fazer com que tal não aconteça, apesar de ter avisado o teu pai, Diogo, e a tua avó, John. Mas sabem o que isso significa?
Murmuraram um não em conjunto e deixaram-na continuar.
- Significa que vocês estão em divida comigo e que, como tal, me vão obedecer, ou acaba-se a professora querida e compreensiva. Não estou, neste momento, preocupada em falar-vos como directora de turma ou como vossa professora, apenas como pessoa. Aquilo que vocês encontraram um no outro é precioso. E vocês estão com qualquer coisa a perturba-los. Não vou deixar-vos fazer isso sem um esforço, e sei bem o quão casmurros vocês são. Portanto, aquilo que vocês disserem a mim ou um ao outro não vai sair daqui, mas vocês não saem desta sala sem resolverem o que quer que seja que se passa e eu aprove a resolução. Entendido? Podem começar.
Nenhum respondeu. A professora deu-lhes um par de minutos antes de os pressionar novamente.
- Que se passa? Qual é a vergonha afinal? John, vamos lá. O Diogo não vai iniciar. Que aconteceu nas férias? Desembucha que eu não tenho o dia todo, e ao contrário de vocês dois, não tenho um anjinho da guarda a fazer desaparecer as minhas faltas.
- O John beijou-me e basicamente não sei falar disso e ele também não disse nada e é estranho como isto me está a fazer sentir.
- Só agora?!
Nenhum dos dois esperava aquela reacção.
- Como assim, só agora?
Mais uma vez falavam a uma única voz.
- Pensava que já tinham passado da fase do primeiro beijo há algum tempo.
Não houve uma resposta da parte deles, mas a surpresa era evidente nos seus rostos. Ela resolveu explicar.
- Vocês são o par perfeito, meninos, a todos os níveis. Salta à vista dos pouquíssimos que percebem. Eu tinha a idade do John quando tive a minha primeira namorada. E naquele tempo as coisas eram bem piores que hoje, se bem que confesso-vos, continua a ser estranho na cabeça de muita gente.
Se antes estavam com um ar de surpresa, este intensificou-se e passou a choque.
- Que foi? A professora directora de turma não pode gostar de lamber carpete, é?
A expressão aliviou a tensão, colocando um sorriso no rosto de todos, antes de ela continuar.
- Vivo com a Vânia há anos. Quase cinco anos, na verdade. A minha primeira namorada chamava-se Diana. Não durou mais que seis meses, mas foi estranho, intenso e difícil. Diogo, tu já antes eras posto de lado e provocado. Isso vai voltar a acontecer, sabes? Mas tu és o que és. Não é uma escolha. É simplesmente aquilo que vocês são. Vocês são fortes e inteligentes. Não vos vou obrigar a nada, óbvio. Mas, se querem o conselho de alguém que já viveu isso mais do que vocês, não deixem de ser felizes pelo que o resto pensa.
- Quem mais pensa como você sobre nós?
- O Carlos de informática e o José de História. Tanto quanto sei mais ninguém. Não se preocupem nem com os adultos nem com os adolescentes. Aproveitem. Agora desapareçam da minha frente e vão vocês conversar um com o outro. Estão dispensados da tarde, eu trato disso. Não iam aparecer de qualquer das formas, portanto é melhor assim. Eu trato do assunto.
- Obrigado, professora.
- O meu nome é Ema fora das aulas, entendido? Nós três vamos voltar a falar. Agora desapareçam. Não se esqueçam dos trabalhos de casa.
Diogo fez um meio sorriso.
- Como se nós os fizéssemos alguma vez, Ema.
Novo sorriso partilhado entre todos.
- Entendam-se.
Eles saíram e foram para o café. Havia uma conversa a ter.
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