- Emily, transfere 50€ para o meu cartão pré-pago e chama-me um táxi, por favor.
- Mas Mestre, há táxis a porta do prédio.
- Quero o Manel. Liga-lhe. Pede-lhe a estimativa do valor da viagem.
- Qual é o destino, Mestre?
- Bairro Alto.
- A efectuar a chamada. Transferência já realizada. Aguarde, Mestre.
Jace despe-se, ignorando por completo o ar gelado de dezembro, e entra no duche, deixando a água gelada correr pela sua pele durante largos minutos, imóvel debaixo do chuveiro, o cabelo a escorrer pelo rosto, sem fazer qualquer gesto, ignorando o facto de estar um frio cortante e de nem se ter dado ao trabalho de ligar a agua quente. A sua mente está demasiado ocupada para que ele note sequer a temperatura. Acaba por rapidamente passar champoo no cabelo, lavar o corpo com a espuma que lhe escorre da cabeça pelo tronco magro mas bem torneado.
Desliga a água, procura uma toalha, secando-se rapidamente, em movimentos rapidos e vigorosos, a toalha raspando a sua pele pálida, com força suficiente para deixar a sua pele vincada por varias marcas vermelhas, pelo menos durante alguns minutos.
Abandona a toalha no chão da casa de banho, caminhando nu até ao quarto, onde procura nas gavetas a primeira roupa que encontra. Jeans e camisa pretos. Pega numa escova de cima da cómoda e dirige-se para frente do espelho alto ao canto da divisão. Olha para a imagem por este devolvida, arranca num movimento demasiado brusco a camisa, tira rapidamente as calças. Revolve as gavetas da cómoda até encontrar no fundo de uma um par de calças pretas, largas, e uma blusa de lycra. Há anos que não usava este género de roupa, tendo optado por um estilo um pouco mais formal e menos vistoso durante o tempo em que esteve casado, mas hoje, por qualquer motivo a si alheio, resolve vestir algo que lhe realce o corpo, que o faça sentir bem dentro da sua pele. Está a acabar de se vestir quando ouve a voz da Emily:
- Mestre, o Manel acaba de tocar a campainha, está a entrada do prédio.
- Avisa-o que desço em 5 minutos. Paga ao homem por transferência Emily, vou sair apenas com o cartão pré-pago, e 50 não chega para o táxi e para esquecer...
- Já o havia feito, Mestre.
- Que faria eu sem ti, Emily?
- Eu gosto de cuidar de si, Mestre. Tenha cuidado. Vou avisar o Manel para esperar por si.
- Não. Não quero ter que me preocupar com tal. Eu aviso-te quando quiser voltar, e tu mandas alguem ter comigo pelas coordenadas GPS do meu telefone.
- Com certeza, Mestre.
Jace acaba de se vestir, abre uma das gavetas pequenas da cómoda e tira duas correntes pretas. Coloca uma na cintura, mete a outra no braço direito, enrolada por baixo da manga larga da blusa. Apanha um elástico preto e prende o cabelo atrás da cabeça. Olha o espelho mais uma vez. As calças largas, a blusa justa no tronco com mangas largas, o cabelo apanhado acabado de lavar, uma mecha deste pendendo sobre o seu olho esquerdo, o resto apanhado junto a cabeça. Gosta do que vê. Sente-se belo. Apanha a carteira, a cigarreira de prata e o isqueiro, enfiando tudo nos bolsos laterais das calças. Pensa levar as botas, mas acaba por pegar nuns all-star pretos, e calça-los.
- Emily, vou sair. Portas trancadas a minha saída.
- Mestre... tenha cuidado por favor.
- Vou só beber uns copos sozinho, Emily.
- É esse o meu receio...
- Até mais logo querida.
- Mestre, o telemóvel. Precisa dele para me avisar.
- Obrigado.
Ele pega no telemóvel e sai, descendo as escadas a pé, saltando os degraus 3 a 3. Na entrada do prédio, um homem nos seus cinquenta e muitos anos, de cabelo branco como a neve e um sorriso simpático estende-lhe a mão.
- Para onde é hoje meu caro?
Jace aperta a mão estendida.
- Bairro Alto. A Emily pagou-te certo, Manel?
- Não faço ideia, Jace. Mas és tu. Se ela não fez ainda a transferência, irá fazê-la. Confio em ti rapaz, és família.
Jace sorri ao ouvir estas palavras. Entram no carro, lado a lado, e Manel arranca a alta velocidade pelas ruas da cidade.
- Jace, ouvi uma noticia algo perturbadora.
- Que noticia?
- A cidade fala que o Exercito Fantasma foi engaiolado, e que o General finalmente foi parar atrás das grades.
- É verdade.
- Mas... tu estás aqui...
- Claro que estou.
- Raios miúdo, fiquei preocupado que te tivessem apanhado.
- Não. Cansei daquela vida, só isso.
- Bom saber que começas a ganhar juízo. Sabes que nós ainda te somos leais, certo?
- Claro que sei, meu velho. Fui eu que os entreguei. Cambada de pulhas sem vergonha que morderam a mão que os alimentou.
- Vais mesmo parar então?
- Vou.
- Sempre que precisares de nós...
- Eu sei...
O resto do caminho foi percorrido em silencio. Alguns minutos depois, o táxi para no largo do Príncipe Real. Jace e Manel despedem-se com um abraço, sem palavras, um silencio em que nada precisa ser dito. Manel volta a entrar no carro e arranca. Jace tira a cigarreira do bolso e acende um charro, seguindo a pé para dentro das ruas do Bairro no seu característico passo ágil e rápido.
Há meses que Jace não saia à noite. Hoje pretende simplesmente beber uma quantidade industrial de vodka antes de pedir a Emily que mande alguém busca-lo. Provavelmente será novamente o velho Manel a vir ter com ele.
Entra num dos poucos bares de rock e metal que ainda sobrevive, cumprimenta o barman, pede um café e uma vodka.
- Jace, seu desaparecido em combate. Como estás tu?
- Ainda vivo Diablo, ainda vivo. Aceitas cartão certo?
- Bebe e cala-te rapaz. Essa é por minha conta.
- Obrigado. Diz-me uma coisa. A sala do fundo, está ocupada?
- Acho que está vazia. Ainda é cedo.
- Eu nem sei que horas são.
- Onze. Entra e senta-te. 'Tá a vontade. Hey, diz uma coisa. Tens... cigarros?
- Toma um.
Jace estende-lhe a cigarreira, Diablo tira um dos charros de Jace e devolve-lha com um piscar de olho.
- Não sei qual é o teu segredo, mas os teus são os melhores que alguma vez provei.
Jace sorri, bebe o café de um trago, sem lhe colocar açúcar, pega na vodka e segue para a sala do fundo, sentando-se na mesa do canto, ficando com plena vista para a aconchegada sala. Tira o elástico, deixando o cabelo cair sobre o rosto e o pescoço, ficando a fumar e a bebericar da vodka ocasionalmente, quase imóvel, perdido em pensamentos. Passa quase vinte minutos em silencio, sozinho, ouvindo o mais recente álbum de Nine Inch Nails a tocar nas colunas. Diablo sempre teve um bom gosto musical, e desde que abriu este sitio conseguiu torna-lo num dos poucos sitios da capital onde ainda se pode ouvir um som alternativo à musica comercial que quase todos os sítios passam para atrair clientes.
Diablo entra na sala onde Jace está sentado, copo de cerveja na mão.
- Queres algo mais, ou 'tás fixe por agora?
- Estou bem, não te preocupes. Ouve, vou lá acima levantar dinheiro, já cá volto, ok?
- Vai lá, mas se é por mim, sabes bem que não te precisas incomodar.
- Estou a beber para esquecer, meu amigo. É melhor pagar antes de beber.
Diablo solta uma gargalhada, e volta para o balcão na outra sala. Jace levanta-se e sai. Demora alguns minutos apenas a subir a rua até a caixa multibanco, levantando todo o dinheiro que pedira a Emily para lhe colocar naquele cartão, voltando de seguida para o bar.
Volta a entrar, pede nova vodka, sem sequer olhar em volta. A sala da frente enchera entretanto, e Diablo encontra-se ocupado a atender dois grupos ao balcão.
- Já te levo a bebida, Jace. - Diablo levanta a voz, fazendo-se ouvir acima da musica e do ruído das conversas que inunda a sala.
Jace volta para o seu lugar ao canto da sala do fundo e acende novo charro.
Numa das mesas da sala frontal do bar, alguém ouve aquele nome. Alguém que não ouvia aquele nome há anos. Ela levanta-se, chama a atenção de Diablo depois de este atender os clientes que lhe cercavam o balcão.
- Disseste Jace, Diablo?
- Sim, disse. Porquê?
- Onde é que ele se meteu?
- Hum... deve 'tar lá atrás. Se bem o conheço, sentado na mesa do canto, como de costume.
- O que está ele a beber?
- O mesmo de sempre. Vodka.
- Optimo. Dá-me duas.
- Uma é p'ra ele?
- Sim.
- Queres a tua com gelo?
- Sim. Porquê? A dele é especial?
- O meu rapaz bebe vodka dupla, sem gelo. Sempre o mesmo pedido de há anos para cá.
- Dá-me duas duplas então. Acho que vou ter uma conversa com o teu rapaz.
Diablo lança um olhar intrigado na direcção dela, mas acaba por lhe entregar dois copos iguais, cheios até ao topo de vodka, recebendo uma nota em troca. Faz o troco e ela pega nos copos, seguindo em direcção a sala do fundo, deixando para trás o grupo de amigos com quem estava.
Ela entra na sala do fundo, fechando a porta de acesso atrás de si. Jace está de cabeça baixa, a fumar enquanto mexe no telemóvel. Ela pousa o copo a frente dele, e ele pega no mesmo sem levantar os olhos do ecrã, bebendo um trago.
- Já te pago, Diablo, deixa só terminar isto.
- Já está pago.
A voz feminina, melódica chama-lhe a atenção. Jace esperava que tivesse sido Diablo a ir-lhe levar a bebida.
"Desde quando é que ele contratou uma empregada?!"
Ele finalmente tira os olhos do ecrã do telemóvel. À sua frente está uma mulher jovem, vestindo jeans pretas e uma blusa justa mas aparentemente quente, também preta, contrastando com a sua pele alva. Os olhos grandes, verdes e expressivos chamam-lhe a atenção, bem como os lábios vermelhos, apetecíveis. Os cabelos são longos, negros, ondulados, soltos em volta do seu rosto e pescoço. A face dela é bela, um traço angelical.
- Olá, Jace...
Aqueles grandes olhos verdes... aquele cabelo, aquela pele...
- Posso sentar-me?
Jace faz um gesto, apontando para a cadeira a sua frente, uma aceitação do pedido dela, ainda sem dizer uma palavra.
- Não te lembras, pois não?
Jace apaga o charro, já no final, esmagando-o com demasiada força no fundo do cinzeiro, puxa da cigarreira, tira mais um e acende-o, virando a cigarreira aberta para ela.
- Fairy?
- Afinal não te esqueceste.
- Tenho uma boa memória.
- Se tens assim tão boa memória, porque te esqueceste de telefonar? Porque te esqueceste de dar noticias ao longo destes anos?
- Não esqueci. Tive motivos para não o fazer.
- Ah sim? E quais foram esses motivos?
- Irrelevante agora.
Ela tira um dos charros da cigarreira e acende-o.
- Vejo que ainda te tratas bem. Começaste a beber?
Ele acena afirmativamente.
- Quando?
- Há cerca de um ano.
- Porquê?
- Ajuda a esquecer.
- Que queres tu esquecer?
- Tudo.
- Falar contigo é quase como falar com uma parede.
Jace não responde.
- Explica-me lá que motivos irrelevantes foram esses para nunca mais me teres dito nada.
- Estás prestes a fazer anos, não é?
- Como sabes?
- Lembro-me da tua festa naquela noite há anos atrás. Foi mais ou menos por esta data.
- Estou sim.
Ele fuma mais um bafo em silencio, sustendo o fumo quase um minuto nos pulmões, libertando-o numa série de bolas de fumo em seguida.
- Descobri pouco depois que iria ser pai.
- Wow... pai?
- Sim.
- Foi por isso que desapareceste da vida da noite?
- Não desapareci da vida da noite, mas deixei de sair como o fazia antes.
- Porquê?
- Deveres... tentei ser responsável.
- E no entanto estás aqui, a beber vodka, coisa que se bem me lembro não fazias. Porquê?
Ele solta um longo suspiro.
- Raios Jace. Deves-me uma explicação.
- Não te devo nada, Fairy. Ter saído da tua vida foi o melhor que eu poderia fazer por ti.
- Isso não era uma decisão tua. Eu deveria ter tido uma palavra no assunto.
- Fiz o necessário para que pudesse viver comigo mesmo. Nunca o conseguiria se não o tivesse feito.
- Casaste?
- Não, mas vivi com ela.
- Amor?
- Não sei, Fairy. Amo o meu diabrete. Portanto sim, amor. A ele.
- E porque estas aqui, sozinho, agora?
- Separei-me.
- Há quanto tempo?
- No inicio do ano.
Silêncio. Jace apaga a ponta já no fim, novamente fazendo um gesto demasiadamente violento para simplesmente apagar o charro, como se se vingasse de uma magoa escondida nesse gesto. Fairy apaga também o seu, tira um maço de tabaco do bolso, acende um cigarro e deixa o maço em cima da mesa.
- Posso? - Jace aponta para o maço.
- Tira.
Ele acende um cigarro.
- Eu não fazia ideia até que aconteceu sabes?
- Sei... eu percebi isso.
- Porquê deixares que um completo estranho fosse o teu primeiro? Tê-lo-ias feito em estado puro? Ou simplesmente perdeste a cabeça devido à erva?
Fairy demora alguns momentos a responder, lembrando com nostalgia aquela noite, há anos atrás, a noite em que fez 18 anos, a noite em que foi aceite como parte integrante de um grupo com quem deixara de ter contacto, a noite em que pela primeira vez experimentou drogas, a noite em que perdera a virgindade com um estranho atraente que a abandonou pouco depois sem uma explicação, sem uma palavra, estranho que reencontrara agora, depois de anos em que esperara vê-lo a aparecer do nada numa das suas noites de saída. Voltara aquele clube imensas vezes. Sempre esperou olhar para a pista e vê-lo a dançar de olhos fechados, sentindo a musica como a ensinara a fazer. Fairy crescera, aprendera bastantes coisas entretanto, mas nunca esqueceu. Teve outros, rapazes e homens feitos, envolveu-se com outros que lhe lembravam por algum motivo aquele que agora se encontrava a sua frente. Em quatro anos, ela teve quem quis. E no fundo, nunca teve quem realmente queria. Aquela noite marcara-a até hoje. Demorou meses a deixar de pensar nele todos os dias. Durante mais de um ano não conseguira voltar a entrar ali. E quando finalmente voltou a cruzar as portas daquele clube, quando finalmente pensava ter esquecido, apercebeu-se que ainda esperava que ele fosse ali, ainda esperava poder falar com ele, esperava vê-lo a dançar alheio ao mundo com aquele ar sonhador e inatingível que ferira o seu coração e a sua alma, marcando-a até agora. Pensou tudo isto sem dizer uma palavra...
A voz de Jace arrancou-a das suas memorias.
- Sempre me senti culpado, sabes? Não esperava ser o teu primeiro. Especialmente porque foste tu a sugerir sair dali. Que raios te passou pela cabeça? Desapareceste comigo deixando para tras as tuas amigas, passaste todo o fim de semana em minha casa. Falamos de tudo e mais alguma coisa. Fizeste amor comigo com uma intensidade e uma paixão que eu nunca antes havia sentido em alguém, abriste a tua alma, entregaste-me o teu corpo... Raios, eu não merecia tal. Nunca fui merecedor de tão bela prenda.
- Não. Não foste. E o teu desaparecimento provou isso bastante bem. Mas... raios Jace! Tu és algo tão diferente, tão único. Marcaste-me sabes? Acho que me apaixonei por ti naquela noite. Demorei imenso a conseguir parar de pensar em ti, na tua voz, no teu carinho, no teu toque, no quão bem me fizeste sentir. Tive muita gente depois de ti. Mas ninguém me levou até onde tu me levaste naquele fim de semana.
- Lamento...
A chapada que Fairy lhe deu foi algo que apanhou ambos de surpresa. O gesto saiu-lhe sem ela sequer pensar. Ele olhou-a finalmente nos olhos, surpreso apesar de não magoado.
- Que raios foi isto?
- Nunca lamentes. Eu não lamento.
Um ar de surpresa cruzou o rosto de Jace. Não esperava esta reacção, e ainda menos esperava as palavras dela em seguida. Jace pensara em Fairy muitas vezes. Demasiadas até. De certa forma, ela havia-o marcado, e ele não conseguia uma explicação para tal. Jace tivera inúmeras pessoas antes dela. Tivera algumas depois de se separar também, casos sem significado, encontrados quando a solidão e o vazio ameaçavam consumir a sua sanidade por completo. Alguns desses casos, Jace arrependera-se pouco depois, não pelo que havia sido feito, mas por saber exactamente qual era o seu efeito nas pessoas. A sua intensidade, a forma como abalava quem tocava foram algo que Jace aprendera a temer. Ele nunca quis causar magoa a nenhuma delas, no fundo. Mas havia certos desejos a que ele por vezes cedia. Antes de Fairy, Jace procurava quase todos os fins de semana uma parceira diferente. Deixou de o fazer apenas quando, pouco depois de ter conhecido Fairy, recebera a noticia de que iria ser pai. Acalmou, passou a ponderar as coisas baseando-se no seu miúdo em vez de seguir simplesmente os seus impulsos como fizera até aí. Mesmo depois de as coisas não terem dado certo, Jace manteve a sua fria e calculista forma de gerir a sua vida, aprendida durante os quase três anos em que estivera com a sua ex-companheira. Além disso, Jace sabia bem os riscos que corria ao ser quem havia sido até há bem pouco tempo. A personagem do General Fantasma, que criara como um mero desafio, tomou vida própria, e Jace era quem estava por trás dela, quem manipulava as operações a partir das sombras. De certa forma, Jace temera ser apanhado, ter que pagar pelos crimes por si organizados, mesmo sabendo bem as suas capacidades, ele sempre teve esse receio. Valera-lhe o anonimato proporcionado por Emily ao dar ordens aqueles que geria. Apenas um grupo muitíssimo restrito sabia que era Jace quem estava por trás de tudo, e nenhum destes fora incriminado quando Jace entregara as provas a Luis. Por isto, e pelo seu filho, Jace não havia voltado a falar com Fairy depois daquele fim de semana, não havia voltado aquele sitio. Pensara por diversas vezes voltar a falar com ela, depois de se separar, mas sempre se reteve. Temia estar a enganar-se, estar apenas a preencher o vazio deixado pela ausência da sua ex, a quem, apesar de tudo, se havia afeiçoado.
Fairy apercebe-se de que ele havia ficado perdido em pensamentos, resolve dar-lhe alguns minutos para tal. Termina a sua bebida e acende outro cigarro. O copo de Jace encontrava-se quase cheio, e Fairy foi apanhada de surpresa quando este o despejou de uma única vez, levantando-se de seguida e estendendo-lhe a mão. Demora alguns segundos a dar-lhe a sua, deixando-se guiar pelo súbito impulso de Jace. Sem uma única palavra, Jace aperta a mão dela na sua, e guia-a para fora da sala. Para ao balcão, ainda de mão dada a Fairy.
- Diablo, devo-te algo?
- Rapaz, eu pago o teu café e a primeira vodka. A Fairy pagou a segunda. Não me deves nada.
- Até depois, Diablo.
- 'Té mais ver, puto. Fairy, toma conta desse idiota que ele 'tá mais que farto de sofrer nos últimos tempos.
Jace sai, sem uma palavra a Fairy, mantendo a mão dela segura na sua. Ela está completamente perdida. Onde vão, que se passa naquela cabeça dura? Ela sabe que ele normalmente não falava muito, mas este súbito impulso deixa-a completamente sem saber o que fazer. Deve ir com ele? Deve afastar-se? Acaba por segui-lo em piloto automático para fora do bar.
Jace pega no telefone assim que sai da porta do bar, tocando com o polegar no ecrã tactil algumas vezes, falando de seguida para o telemóvel.
- Emily, contacta o Manel, estou onde ele me deixou. Ele que se despache, tenho coisas importantes a fazer. Paga-lhe ambas as viagens se ainda não o fizeste.
- Entendido, Mestre. Já foi feito o pagamento da primeira. Farei de imediato o desta.
- Obrigado, Emily.
Jace sobe a rua em direcção ao Príncipe Real, ainda sem uma palavra a Fairy, mas ainda com a mão desta presa na sua.
- Estavas a falar com quem?
- Difícil explicar aqui. Mostro-te em seguida. Tens razão, devo-te uma explicação, mas esta não pode de forma alguma ser dada ali. Vens comigo.
- Vou contigo para onde?!
- Menos perguntas. Anda. O Manel deve estar a nossa espera já, se bem conheço o velho, ele não apanhou ninguém desde que me deixou aqui. Demasiado preocupado comigo, deve ter ficado algures aqui perto à espera de um contacto da Emily.
- Quem é a Emily?
- Já te explico. Tens que ver para acreditar.
- Jace...
Jace para, olha-a nos olhos e coloca o indicador da mão livre sobre os lábios dela.
- Shhh... já vais perceber.
Caminharam em silencio, Fairy sendo guiada pela mão, completamente perdida com o que se passa. Ele continua a afectá-la, mesmo depois de todo este tempo. A sua curiosidade, aliada ao efeito da presença dele, bem como à súbita reacção dele, fazem com que ela se limite a segui-lo.
"Onde vamos? Porque raios estou eu a seguir este idiota? Onde é que ele me leva? Porque não lhe digo simplesmente que não quero segui-lo? Porque é que não consigo reagir?"
Em poucos minutos chegam onde Jace havia há pouco sido deixado. Manel espera-o, dentro do carro, janela aberta, enquanto fuma um cigarro. Jace abre a porta traseira e faz sinal a Fairy para entrar, fechando-a assim que ela entra, e de seguida entra para o lugar ao lado de Manel.
- Estás bem, miúdo? Parece que viste um fantasma. Quem é a pequena?
- Deixa-me em casa, Manel. Não, não estou bem. O fantasma que vi está no banco de trás.
- Ui! Estás bêbado?
- Não. Só bebi duas vodkas. Preciso pensar.
- Entendido, meu rapaz. Dentro de 10 minutos estás à porta de casa. Relaxa. Pensa. Aqui o velho percebe, não te preocupes.
Jace limita-se a sorrir por um segundo, encosta a cabeça ao banco e fecha os olhos.
Trinta anos de carreira como taxista fazem com que Manel conheça cada ruela da cidade, cada atalho e cada forma de escapar ao transito. Os prometidos 10 minutos depois, Manel pára o carro em frente da porta do prédio de Jace.
Jace sai do carro, abre a porta a Fairy, que continua com um ar confuso, aperta a mão a Manel.
- Obrigado meu velho. És um amigo como poucos.
- És família rapaz. Presumo que, como sempre, a tua menina me tenha ja feito o pagamento de ambas as viagens, e como sempre com uma gorgeta engraçada.
- Ela disse que havia feito o primeiro, deve ter-te já feito a transferência do segundo.
- Sempre que precisares, sabes que podes contar comigo. Mesmo que não tenhas dinheiro, sabes?
Jace abraça o velho taxista, seu amigo de há quase 9 anos.
- Que faria eu sem ti meu velho?
- Serias um gajo um pouco mais infeliz?
Manel solta uma gargalhada, e volta a entrar no carro, seguindo viagem em seguida.
Jace torna a dar a mão a Fairy, abre a porta da frente marcando o código no painel das campainhas, e dirige-se ao elevador. Sobem em silêncio, Jace demasiado pensativo, Fairy ainda sem reacção física apesar da confusão na sua mente.
Saem do elevador e Jace passa o indicador direito pelo leitor de impressões digitais ao lado da campainha de casa, a porta abrindo quando ele o faz. Jace faz sinal a Fairy para entrar, e ela segue a indicação. Ele entra atrás dela, fecha a porta e tranca-a.
- Podes ficar à vontade.
- Mudaste de casa...
- Há cerca de ano e meio.
Fairy olha em volta, observando a divisão. A divisão é uma mistura de sala de estar com um dos cantos a servir de cozinha, com fogão e lava-loiças. Frigorífico perto do fogão. O resto das paredes estão cobertas de estantes com livros, à excepção de um dos cantos, onde se encontra uma secretária com três monitores e uma poltrona em frente da secretaria. No centro da sala há um sofá e uma mesa de centro. Jace aponta para o sofá, e de seguida puxa a poltrona para o outro lado da mesa de café.
- Emily, "Four Seasons" se faz favor. Preciso de musica ambiente. Reduz o volume para 15%.
- Efectuado, Mestre.
Os acordes da musica começam a ouvir-se. Jace senta-se na poltrona e Fairy senta-se a sua frente, no sofá.
- Coloca as tuas questões.
Se Fairy estava confusa antes, esta entrada em casa dele deixou-a ainda mais. Especialmente o pedido de musica atirado para o ar.
- Que se passou aqui? Quem, ou o que é a Emily? Pensei que fosse a tua namorada ou algo semelhante.
Jace sorri, um sorriso condescendente.
- Longe de tal. É a minha companheira, uma inteligência artificial. Pensa nela como a minha companhia virtual, aquela que me ajuda no dia a dia em praticamente tudo.
Fairy faz um ar surpreso. Não esperava aquilo. Na verdade, não esperava nada do que aconteceu esta noite. Saíra de casa com intenção de beber qualquer coisa. Nunca pensara encontrar Jace, muito menos aceitar um convite não verbalizado para casa dele. Não sabe por onde começar, que perguntas fazer, o que pensar.
Jace tira a cigarreira e acende mais um dos seus charros.
- Quantos já fumaste hoje?
- Não sei, uns 8 ou assim.
- Estás sequer em condições de falar comigo?
- Perfeitamente.
- Explica-me porque não tornaste a falar comigo.
- Recebi a noticia que te disse. Fiquei pasmo com o facto de ter sido o teu primeiro. Fui apanhado de surpresa com ambas as coisas, quase ao mesmo tempo. Decidi fazer o que era certo para o bem do meu diabrete, e decidi que preferia ser visto como um filho da puta a explicar o que se passava.
- Cheguei a significar algo? Eu sei que um fim de semana não é muito, mas ainda assim... dado o que se passou, dado o que falamos, a forma como me trataste, com tanto carinho, como me contaste de onde vinhas e o que tinhas passado... sou uma idiota, mas pensei que eu pudesse ter significado algo.
- Não foste idiota.
- Não?
- Não.
- E agora, porque me arrastaste para aqui? Pensas que vou simplesmente para a cama contigo novamente é?
- Nem tinha pensado nisso até que o disseste.
- Então porquê?
- Acho que é uma questão de segurança. Isto é a minha zona de conforto, o meu santuário, o local do meu exílio.
- Exílio?
- Sim. Praticamente cortei contacto com o mundo exterior. Tive trabalhos normais enquanto estive com a mãe do meu filho. Despedi-me pouco depois de me separar. Voltei a trabalhar como freelancer. Deixei a vida de crime para trás e escondi-me aqui. Estive, acho que ainda estou, próximo de um esgotamento nervoso. Tranquei-me com os meus livros, dediquei-me a programação, entreguei à policia aqueles que para mim trabalharam e me traíram, e deixei por completo a vida no submundo. Cansei-me de tal. Já tinha começado a trabalhar na Emily quando te conheci, e entretanto completei a programação dela. Tenho passado o tempo entre programação e livros e as minhas plantas. Fumo demais, voltei a beber por vezes, sempre até cair para o lado, quando preciso de preencher o vazio. Pensei em ti muitas vezes, demasiadas ao longo destes anos. Não sabia o que te dizer, como olhar para ti, e como tal acabei por não voltar a falar contigo. Presumi que tivesses seguido em frente, tomando-me como mais uma curte insignificante. Não esperava de todo rever-te ali hoje, e muito menos que tivesses vindo falar comigo, ou que me pedisses explicações. Não sei bem o que te dizer sequer.
- Pensaste em mim?!
Jace limita-se a acenar afirmativamente.
- Porquê?
- Não faço ideia. Sentimentos recalcados provavelmente.
- Explica-te.
- Não sou muito bom a falar de sentimentos.
- Merda Jace. Tu fizeste-me apaixonar por ti.
- Desculpa.
- Desta vez estás demasiado longe para levares a chapada que mereces.
- Felizmente.
Um sorriso atravessa o rosto de ambos.
- Fairy, como é que te apaixonaste por mim? Foram... alguns dias apenas...
- É. E porque raios tu dizes que pensaste em mim?
- Porque o fiz.
- Eu conheço a tua reputação, Jace. As minhas amigas tentaram avisar-me para ter cuidado contigo, mas no momento não as ouvi, e depois foi tarde demais. Tu e a Dariel já se tinham envolvido antes. Mas a Dariel sempre foi mais desligada que eu, sempre foi pessoa de foder por foder, pelo prazer apenas. Eu caí nas tuas garras. Acabei por desistir de te reencontrar. Durante meses procurei-te, perguntei por ti a toda a gente. Ninguém sabia muito bem onde estavas, o que fazias, merda... ninguém sabia praticamente nada sobre ti, à excepção de que eras um cliente regular naquele sitio, e que te envolveste com meio mundo ali. Ouvi rumores de que eras um traficante de droga. Ouvi rumores de que eras gay. Ouvi rumores de que tinhas saído do país. Merda, no fundo só ouvi rumores, ninguém sabia confirmar nada. Só o Diablo resolveu dizer algo sobre ti. Disse-me que tu tinhas algumas questões importantes a resolver, que não era ele que teria que falar comigo sobre tal. Disse-me que tu havias deixado aquele mundo, que havias encontrado um trabalho normal, que estavas bem. Mas recusou-se a dizer-me mais que isso. Eventualmente cansei-me de insistir, especialmente porque ele próprio me disse que tu havias deixado a vida que levavas, e que mesmo que eu não quisesse acreditar, tinhas um bom motivo para tal. Pelos vistos, esse motivo era o teu filho.
- A parte do traficante é mais ou menos verdade.
- Mais ou menos?
- Nunca vendi nada a ninguém, mas controlava quem o fazia.
- E o resto?
- Não sou gay. Não saí do país. Arranjei um trabalho normal. Vivi com a mãe do meu filho. Enquanto estive com ela, tornei-me um cachorrinho, praticamente. Vivia para ela e o pequeno, enterrava-me em drogas para esquecer que era infeliz. Vivia entre o trabalho e casa. Usava a Emily para controlar as minhas operações. Eu só lidava com a Emily, ela fazia os contactos.
- Quanto tempo durou isso?
- Quase três anos.
- E depois?
- Depois de me separar, voltei a assumir o controlo mais directamente. Mas no fundo sempre fui um fantasma que ninguém conhecia. Eu contei-te mais sobre mim naquele fim de semana que a qualquer outra pessoa que conheci.
- Porque raios farias isso?
- Não sei. Foi natural. Aconteceu. Senti-me bem contigo, senti-me a vontade. Tu ouviste-me sem me julgar. Nunca tinha experimentado isso, e... e aproveitei ao máximo. Desabafei contigo coisas que nunca havia contado a ninguém. Só a Emily hoje em dia sabe o que sou, o que faço.
- Porque te isolaste depois de te separares?
- Receio. Receio de arrastar pessoas atrás de mim, de criar ligações, de sofrer, de magoar, de ter mais sangue nas minhas mãos.
- Sangue?
- Literal e figurativamente. Ao longo da minha vida, eu magoei muita gente. Eu matei algumas pessoas, porque a escolha era acabar com elas ou finalmente pagar pelos meus crimes.
- Quantas pessoas?
- Algumas.
- Quantas...?
- Três.
- Quem?
- Alguém que matou o meu mentor. Um investigador da judiciaria que estava a chegar demasiado próximo de mim. Um informador da judiciaria que se infiltrou na minha operação.
- Porquê?
- Vingança. E auto-preservação. O primeiro, fi-lo por ter sido consumido pela raiva, pela dor, por sede de sangue depois do que perdi. Os outros dois, porque descobriram quem eu era. Por auto-preservação.
- Arrependes-te?
- Todas as noites...
- Porque o fizeste então?
- Já te disse. Auto-preservação. Fi-lo para proteger o miúdo. Porque, agora, mesmo afastado dele, continuo a querer o melhor para ele. E o melhor para o meu miúdo não é ter o pai numa prisão para o resto da vida.
- Porque estás afastado dele?
- Circunstâncias... não quero por agora falar nisso. Talvez um dia destes, desculpa.
- Um dia destes?
- Se não quiseres falar comigo, se não quiseres ver-me, podes sair por aquela porta e nunca mais saberes de mim. Não te vou impedir de tal.
Silencio entre ambos, Jace esperando a próxima frase dela, Fairy sem saber o que dizer.
Fairy tira o ultimo charro ainda existente na cigarreira e acende-o. Jace levanta-se e sai da divisão.
- Onde vais?
Ele responde de fora da sala:
- Vim só buscar uma coisa ao quarto.
Ele volta poucos segundos depois, trazendo consigo um saco de erva, e faz mais um para si próprio.
- Jace... cheguei a tocar-te?
- Tocaste, bastante. Estiveste quase sempre a tocar-me durante o tempo que passamos juntos. Raio de pergunta.
- Não foi isso que quis dizer...
- Que quiseste dizer então?
Fairy faz uma pequena pausa, fumando durante momentos antes de reformular a questão.
- Quero saber se fui mais que uma foda.
- Não sei o que te responder.
- Raios, Jace, não é difícil. Cheguei a marcar-te de alguma forma? Cheguei a ser mais que uma das muitas que tu levaste para a cama? Ou fui apenas mais uma das tuas conquistas sem propósito?
Ele pousa o charro no cinzeiro, passa ambas as mãos pela cara, pelo cabelo, percorrendo-o até à nuca.
- Sim.
- Sim o quê?
- Sim, foste mais que uma foda.
- Que mais fui?
- Foste alguém que me marcou, alguém que deixou a sua marca em mim até agora. Se não o tivesses sido, teria ignorado por completo a tua existência hoje, quando me pousaste o copo a frente. Já o fiz inumeras vezes antes. Não me custa nada simplesmente ignorar alguém que nada me diz. Faço-o todos os dias, praticamente. Eu quase nem reparo nas pessoas hoje em dia. É como se fossem vultos indistintos na periferia da minha percepção. Foste importante. Já te disse que pensei em ti mais vezes do que me permito a mim mesmo admitir ao longo destes anos. Não me recordo sequer da cara ou dos nomes da maioria que acabou na minha cama durante aqueles conturbados anos desde que vim para aqui até que te conheci. E os poucos que me recordo são vagas lembranças, meras imagens na minha memoria. Tu foste importante. A mãe do meu filho foi importante.
- E agora?
- E agora o quê?
- Ela é importante?
- Segui em frente há bastante tempo. Não sinto nada por ela.
- Sentiste?
- Sim.
- E eu?
- Tu o quê?
- Foda-se! Fui importante?
- Já te disse que sim.
- Ainda sou?
- Estás em minha casa, comigo a responder a todas as tuas questões...
- Que merda quer isso dizer?
- Se não fosses, não estarias. Já o tinha dito antes.
- Odeio-te.
- Tu e meio mundo, começando por mim.
- Que aconteceu ao rapaz cheio de autoconfiança e amor próprio?
- Morreu. Confiança? Sim, tenho confiança nos meus conhecimentos, na minha inteligência, nas minhas habilidades. A Emily é uma prova de tal. Amor próprio? Esse há anos que desapareceu. Odeio-me tanto hoje quanto alguma vez me amei.
- Porquê?
- Culpa. Por ti. Pelo miúdo. Por toda a dor e magoa que causei. Porque fui capaz de matar, e pior, sobreviver a tal. Porque tenho medo que possa voltar a fazê-lo se for forçado a tal. Porque graças a mim, há inúmeras pessoas agarradas a varias substancias. Há inúmeras pessoas a quem eu permiti destruir a sua própria vida graças à minha ganância. E isso consome-me.
Jace está sentado na poltrona, cabeça enterrada nas mãos, olhos fechados. Fairy nota que há uma lágrima a escorrer pelo rosto dele abaixo. Ela levanta-se, contorna a mesa e, colocando um joelho no chão, abraça-o.
- Idiota...
Ela levanta-lhe a cabeça, limpa a lágrima do canto do olho dele e beija-o, primeiro ao de leve, os lábios de ambos unidos de novo ao fim de tanto tempo, depois mais intensamente, ele respondendo aos lábios dela, num beijo fogoso, repleto de desejo, como dois amantes separados que finalmente matam saudades um do outro. Como se nunca nada se tivesse passado de errado, aquele beijo afasta do pensamento de ambos toda a mágoa, toda a dor sentida, consumindo-os por completo pelo desejo um do outro. Ambos pensaram neste beijo mais vezes que conseguem recordar ao longo dos anos que passaram. Ele abraça-a, puxando-a para o seu colo, continuando a beijar os lábios dela, sentindo o calor dos mesmos, a doce sensação que nunca esqueceu desde aquela noite, desde aqueles dias perdidos no tempo.
Ela deixa as suas mãos percorrerem o pescoço, as costas, sente junto ao seu peito o calor dele, deixa-se levar pelas sensações, esquecendo tudo, olhos fechados, explorando as suas costas por cima da finissima blusa, sentindo os músculos definidos nas suas mãos, os lábios dele no seu pescoço, a sua respiração quente na pele dela, um arrepio percorrendo as costas dela ao mesmo tempo que as mãos dele as percorrem, agarrando-a junto a ele um pouco forte demais, quase magoando. A súbita dor dos dentes dele a morderem o seu pescoço lança pelo corpo dela novo arrepio, o toque das mãos debaixo da blusa dela, na sua pele suave. Fairy atira a cabeça para trás, expondo o pescoço ao beijo quase vampírico dele, perdida por completo no calor do corpo colado ao seu, nas mãos que percorrem as suas costas, nos lábios que tocam o seu pescoço. Deixa as suas próprias mãos percorrerem as costas dele por baixo da blusa, levantando-a pouco a pouco, acabando por lha tirar, interrompendo por momentos o toque dos lábios no seu pescoço, subitamente privada do calor da respiração e do toque dele na sua pele, ansiando por voltar a senti-los, ela pega-lhe na cabeça, apertando o cabelo dele na sua mão, obrigando-o a voltar a colar os lábios no seu pescoço.
Sente a sua própria blusa a ser levantada, elevando os braços para permitir que esta seja despida. Ele interrompe o movimento, deixando os braços dela presos, os seus lábios expostos, mas os seus olhos ainda cobertos pelo tecido suave, privada da visão, privada da liberdade, completamente a mercê do seu toque, exposta e sem a possibilidade de o abraçar, sem a possibilidade de o olhar, a pele do tronco dele junto a sua, os seus lábios, o seu pescoço a serem alternadamente beijados, primeiro ao de leve e depois com uma intensidade que revela o desejo dele por ela. A sua respiração acelera, o seu coração dispara, o corpo dela anseia por ele, quer tê-lo, agora, ali, já.
Ela sente-se a ser levantada, os braços ainda presos atrás da sua nuca, mantidos naquela posição pela mão dele e pela sua própria blusa. Ele senta-a na poltrona, sem a libertar, e começa a percorrer a pele, o peito, descendo lentamente, alternando beijos com a sua respiração controlada, deixando-a sentir o ar quente de cada vez que expira apenas para tornar a beija-la, cada vez mais intensamente, o seu peito, a sua barriga lisa, sente a língua dele a percorrer cada milímetro da sua pele exposta. A temperatura da sala parece ter elevado, o frio de dezembro desapareceu por completo, e ela está à mercê do toque e da vontade dele.
Quando ele finalmente liberta os seus braços daquela prisão improvisada, atirando a blusa dela para o chão, o desejo contido até aqui pela privação de movimentos e sentidos consome Fairy, toma o controlo do corpo e das acções dela, e ela toma o controlo da situação. Levanta-se, beija-o, prende o lábio inferior dele entre os dentes forçando-o a ficar colado a ela. Sente as mãos dele a abrir o soutien dela, libertando os seus seios, permitindo-lhe sentir nestes a pele dele. Desaperta as calças dele, um gesto que lhe sai mais facil que alguma vez saiu, e repete com as dela.
- És meu.
Habituado a ser ele a ter controle, Jace sente-se delirante ao ver os papeis inverterem-se por uma vez na sua vida. Deixa o seu corpo ser manipulado por ela, sente-se a ser virado, empurrado de volta para a poltrona, olhos fechados, apreciando simplesmente a miríade de sensações causadas pelo toque, pelo cheiro, pelo sabor dos lábios dela nos seus, a força do empurrão a que ele poderia facilmente ter resistido, mas a sua vontade não é resistir. Ela despe-o por completo, fazendo o mesmo a si própria. Ele força a poltrona a reclinar-se e sente o corpo dela em cima do seu, recusando-se a abrir os olhos com medo de descobrir que tudo na passa de um mero sonhos. Sente-a a envolve-lo, tornando-os num só com uma facilidade e naturalidade que ele não esperava, os seus corpos movimentando-se em sintonia enquanto sentem o prazer de estarem novamente a fazer amor um com o outro, o tempo irrelevante, a sensação de electrizante prazer e cumplicidade que os atravessa a ambos, enquanto os movimentos dos seus corpos os levam mais e mais próximo do êxtase, até que finalmente explodem num orgasmo simultâneo, Fairy caindo em seguida no peito dele, abraçando-o sem o deixar sair de dentro de si, ficando por tempo indeterminado perdidos naquele abraço, um sorriso no rosto, duas metades do mesmo ser que finalmente se volta a encontrar.
Só o final da musica os desperta, os faz olharem-se nos olhos. Ele levanta-se, arrastando no movimento o corpo dela, pega-lhe ao colo e carrega-a para a cama.
Amanhã poderão falar mais. Agora só querem simplesmente adormecer nos braços um do outro, sem pensarem nas consequências do que se passou. Isso ficará para depois do abençoado descanso que ambos desejam, para depois de uma longa noite de repouso nos braços um do outro como há anos ambos desejam poder ter.