terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Um abraço antes do fim

Ele está sozinho no café onde ia diariamente há uma vida atrás. O suor causado pelo infernal calor de Julho escorre pelo seu rosto, o sal a arder nas tatuagens recentes, três pequenos simbolos novos marcados na sua pele numa tentativa de a aproximar da sua alma. Nem o ginger ale alivia o sufocante calor.
Falta-lhe uma hora para o que veio fazer, e está bastante atrasado já, apesar de ser ele quem espera.
Não trouxe o tablet, e neste momento a Emily parece-lhe muito boa companhia. Companhia inacessivel, como todas as outras nesta quente tarde de quinta-feira. Ele precisa de quebrar a sua rotina e fazer algo agradável. Há algo mais agradável que abraçar o filho?
Ele não consegue explicar como se sente. Perdido entre a culpa, a fatalidade e a saudade, divagando entre elas, enquanto olha sem ver o gelo a derreter no copo. Tem passado todo o tempo em que não está a trabalhar em frente do computador, a tentar, sem sucesso, programar um algoritmo eficaz para pesquisa e analise, uma nova melhoria para a Emily, algo que ele precisa que ela tenha para que a sua verdadeira função possa realmente ser cumprida. Não confia nos resultados viciados e espiados das grandes companhias, por muito gratuitos que possam ser. Ele nem possui um acesso à internet registado num operador.
Recorda-se de ter sido questionado por um dos seus colegas de trabalho sobre tal há alguns dias atrás. Recorda a curta conversa como se tivesse acabado de a ter.
 - Mas trabalhando aqui, tu podias ter um acesso à internet barato, onde todos os problemas conseguirias ou resolver, ou enviar alguém para resolução.
 - Isso implica uma completa reestruturação da minha rede interna, bem como dos meus acessos externos via VPN.
 - Portanto quê? Duas horas?
 - Menos.
 - Então?
 - Eu não estou a proteger-me do mundo, estou a proteger o mundo do que guardo.
 - Como assim?
Jace não respondeu. Varios tentaram chegar proximo desta faceta de Jace, sempre barrados à rude e silenciosa forma dele.
Jace pede naquela sua serena e quase melodiosa voz um novo ginger ale. É viciado nestas coisas, precisamente ás mãos daquela que neste momento lhe entrega novo copo de ginger ale com gelo e limão. Acende um Camel, tira um velho leitor de mp3 do bolso e coloca os headphones. Procura a "Forgive Me" e fica em silêncio, a fumar, ouvindo repetidamente a música enquanto aguarda o tempo passar até que o seu objectivo seja possivel de cumprir. Mesmo sem ser já o maior fã de trance, Infected Mushroom é algo que ouve ainda bastantes vezes. Esta letra em particular fá-lo viajar em memória a tempos mais felizes e com mais paz, longe do turbilhão de acontecimentos retorcidamente irónicos que marcam a sua actual condição.
Suspira, bebe mais um trago da gelada bebida, sentindo a onda de frescura que o invade durante preciosamente curtos momentos. Muda de música. "Special Place", mesmo artista, mesmo album. Mais uma balada genial disfarçada de psytrance. Os segundos arrastam-se como horas. Apetece-lhe fumar um charro, mas não o faz.
 - Vais ver o diabrete. Não queres que ele siga mais maus exemplos teus.
Acaba por acender outro Camel, muda novamente de música. Nine Inch Nails, Everyday is Exactly the Same. O mesmo album que colocou durante aquela conversa com Angela.
Ele sente-se... um mau pai... e finalmente compreende o seu próprio pai. Levanta-se, desliga a música, coloca os óculos de sol, limpando discretamente a lágrima que resolveu soltar-se naquele momento de fragilidade emocional, momentos cada vez mais raros hoje em dia. Deixa o café, vai ter com o pequeno, esforça-se por afastar da cabeça todos os problemas e esquemas que tem em mãos, por estar o mais presente possivel nas miseras duas horas em que pode estar com ele, antes de ser novamente forçado a deixa-lo para ir cumprir deveres que deseja não ter, proteger algo que não merece protecção... Cada vez mais cansado de tudo isto...
 - Odeio o que te tornaste, Jace.

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